Marco Aurelio formaliza a ‘inimizade’ com Gilmar
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, rompeu relações com o colega Gilmar Mendes há dois anos. Em despacho datado do último dia 28 de maio, transformou a inimizade num sentimento de papel passado. Sorteado para julgar recurso contra uma decisão de Gilmar, Marco Aurélio recusou a incumbência.
"Impugna-se, nesta reclamação, pronunciamento formalizado por ministro do Supremo com quem tenho relação de inimizade", anotou Marco Aurélio. "Ante o contexto e o versado no artigo 145, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015, assento a suspeição para atuar enquanto julgador."
No artigo mencionado pelo ministro, o Código de Processo Civil estabelece que "há suspeição do juiz" quando ele é "amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados." No caso específico, discute-se uma causa tributária de interesse da empresa Arpen Indústria e Comércio. O processo retornou à Secretaria Judiciária do Supremo, que sorteará um novo relator.
Suprema ironia: Marco Aurélio tornou-se inimigo Gilmar Mendes justamente por cultivar o hábito salutar de afastar-se de processos nos quais o sentimento do julgador pode interferir na sentença. Em maio de 2017, declarou-se impedido de atuar em processos que envolvessem o escritório do advogado Sergio Bermudes, onde trabalha sua sobrinha, a advogada Paula Mello.
Por mal dos pecados, a decisão de Marco Aurélio em relação à banca do doutor Bermudes foi formalizada num instante em que o então procurador-geral da República Rodrigo Janot guerreava contra Gilmar Mendes. O chefe da Procuradoria tentava, sem sucesso, impedir Gilmar de julgar casos sobre Eike Batista, pois sua mulher, Guiomar Mendes, também integra os quadros do mesmo escritório de Bermudes, que defendia o empresário no Supremo.
Gilmar tomou o gesto de Marco Aurélio como uma afronta pessoal. Explodiu numa declaração radioativa publicada na ocasião pelo Globo: "Os antropólogos, quando forem estudar algumas personalidades da vida pública, terão uma grande surpresa: descobrirão que elas nunca foram grande coisa do ponto de vista ético, moral e intelectuale que essas pessoas ao envelhecerem passaram de velhos a velhacos. Ou seja, envelheceram e envileceram."
Não é de hoje que, no Supremo, travam-se brigas homéricas. Alguns contendores fazem as pazes de maneira desconcertante. Outros fecham-se em seus rancores. Marco Aurélio faz bem ao explicitar sua inimizade. Por um lado é ruim que ministros da instância máxima do Judiciário não se falem. Por outro, ignorar os insultos de Gilmar, que num romance do Século 19 seriam lavados com sangue, consolidaria a suspeita de que o plenário do Supremo é, por vezes, um território da farsa.
Em certos casos, para evitar qualquer reconciliação, duas pessoas que se desentenderam ferozmente devem mesmo jurar que se manterão distantes até que a morte as junte. Assim, é digna de louvores a formalização da "relação de inimizade" que mantém Marco Aurélio longe até dos processos que passaram pelo crivo monocrático de Gilmar.
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