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Josias de Souza

Lava Jato sofre revés político inédito, mas dano jurídico ainda é incógnita

Josias de Souza

10/06/2019 03h55

A Lava Jato já esteve na berlinda muitas vezes. Sobreviveu a todos os ataques. Mas nenhuma investida anterior teve o potencial corrosivo do vazamento das mensagens eletrônicas trocadas entre o então juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol. O estrago político será inédito. O que não está claro, por ora, é se haverá prejuízo jurídico capaz de alterar sentenças passadas e suavizar veredictos que estão por vir.

Trazido à luz pelo site Intercept, o conteúdo da comunicação privada da dupla oferece à oligarquia corrupta o tecido, a linha e a agulha para a confecção do figurino de vítima. Daí a evidência do dano político. Entretanto, não há em meio ao material divulgado até o momento uma borracha capaz de apagar a corrupção que devastou o Brasil. Daí a dúvida quanto aos efeitos processuais do vazamento.

A leitura das mensagens capturadas nos celulares dos personagens conduz à conclusão inequívoca de que Moro desenvolveu com Deltan uma proximidade juridicamente tóxica. Os dois trocam figurinhas, como se diz. Combinam ações, consultam-se mutuamente. Ultrapassam a fronteira que separa o relacionamento funcional do comportamento abusivo.

O então juiz por vezes adota um timbre de superioridade hierárquica, imiscuindo-se no trabalho da Procuradoria. Algo que destoa da isenção que a Constituição exige de um magistrado. O procurador revela a certa altura preocupações com a solidez da denúncia que resultou na condenação e encarceramento de Lula. Certos trechos farão a festa do petismo nas próximas semanas.

As primeiras reações da força-tarefa de Curitiba e de Moro, agora acomodado na poltrona de ministro da Justiça, vieram encharcadas de nervosismo. Em notas oficiais, falaram de "ataque criminoso à Lava Jato" e "invasão criminosa de celulares." Moro chegou a criticar o site pela "falta de indicação de fonte." Ora, o sigilo da fonte é prerrogativa que a Constituição assegura à imprensa.

De resto, cabe à Polícia Federal, hoje subordinada a Moro, investigar atentados à privacidade de autoridades. É notório o interesse público das mensagens vazadas. Os jornalistas só se ocupam dos diálogos porque encontraram matéria-prima. Num cenário assim, as críticas à divulgação adiantam pouco. Melhor caprichar nas explicações. Divulgou-se, por ora, apenas uma pequena parcela do material autodestrutivo que o ex-juiz e os procuradores injetaram em seus celulares.

Sergio Moro escreveu em sua nota oficial: "Quanto ao conteúdo das mensagens que me citam, não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matérias, que ignoram o gigantesco esquema de corrupção revelado pela Operação Lava Jato."

De fato, a roubalheira que a Lava Jato retirou debaixo do tapete da República é colossal. Nunca antes na história o Estado investigou, puniu e enjaulou tantos personagens da elite política e empresarial. Foram em cana, entre outros: o mito Lula, o príncipe dos empreiteiros Marcelo Odebrecht, o ex-governador Sergio Cabral, dois ex-ministros do porte de José Dirceu e Antonio Palocci, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o ex-vice-presidente da Câmara André Vargas, os ex-gestores de arcas partidárias João Vaccari e Delúbio Soares.

Noves fora José Sarney, cuja idade avançada levou à prescrição dos crimes que lhe foram imputados, há três ex-presidentes encrencados. Michel Temer já passou pela cadeia. Aguarda julgamento. Fernando Collor é réu. Dilma Rousseff sofreu o impeachment e virou alvo do inquérito sobre o "quadrilhão do PT".

Nenhum avanço, porém, autoriza juiz e investigadores a fugir do manual. Mal comparando, Moro se aproxima de Lula e do petismo quando reclama que as notícias sobre o vazamento "ignoram o gigantesco esquema de corrupção revelado pela Operação Lava Jato."

O presidiário petista e seu partido também alegavam que os governos do PT aparelharam a Polícia Federal e sancionaram avanços legais como a delação premiada. Mas não precisavam cometer os crimes que testaram a eficiência do aparato policial e a utilidade da modernização legislativa. Do mesmo modo, o êxito da Lava Jato não justifica eventuais transgressões que Moro e a força-tarefa tenham praticado ao longo do caminho.

O PT testou com sucesso as inovações dos seus governos. Revelou a eficácia do aparato anticrime cometendo os crimes. Deixou pistas em profusão, para ser flagrado. Resta torcer para que Moro e a Lava Jato não tenham percorrido o caminho inverso, cometendo violações em quantidade suficiente para anular os avanços obtidos na maior operação anticorrupção da história. O noticiário dos próximos dias será efervescente.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.