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Josias de Souza

Moro usa dúvida como vacina contra mensagens

Josias de Souza

19/06/2019 12h49

Sergio Moro utilizou na sua exposição à Comissão de Constituição e Justiça do Senado a única vacina capaz de imunizá-lo contra a radioatividade das mensagens que saltaram dos celulares de autoridades da Lava Jato para as manchetes: a dúvida. Não confirmou nem desmentiu nada. Lançou tudo num limbo de ambiguidades, de imprecisões.

O ex-juiz admitiu que podem ser certas "algumas coisas" já publicadas. Mas esclareceu que certas coisas lhe causaram "estranheza". Antes que os senadores pudessem tomar certas coisas como coisas certas, Moro declarou não ter visto nas palavras que lhe foram atribuídas senão coisas "completamente normais" —ainda que já não tenha condições de confirmar a autenticidade de coisa nenhuma.

"Não tenho mais essas mensagens no meu aparelho celular", disse Moro aos senadores. "Utilizei o Telegram em determinado período. Em 2017, acabei achando que aquele aplicativo de origem russa não era um veículo lá muito seguro. E saí do Telegram desde então. Não tenho essas mensagens para poder afirmar se aquilo é autêntico ou não. Tem algumas coisas que eu eventualmente possa ter dito. Tem algumas coisas que me causam estranheza. Essas mensagens podem ser total ou parcialmente adulteradas."

Depois de se escorar na dúvida, Sergio Moro estruturou sua defesa em três lances. Num, delimitou o território, rememorando os feitos da popularíssima Lava Jato. Noutro, pintou um inimigo com cores fortes. Quem invadiu os celulares não foi "um adolescente com espinhas na frente do computador, mas sim um grupo criminoso estruturado."

Num terceiro lance, Moro cuidou de colecionar aliados. A invasão cibernética, disse ele, não vitimou apenas procuradores e juízes. Alcançou jornalistas e até parlamentares. Está em curso, nas palavras do ministro da Justiça, "um ataque às próprias instituições." Coisa ousada: "Confesso que dessa vez fiquei surpreendido pelo nível de vilania e de baixeza dessas pessoas responsáveis pelo ataque."

Feita a exposição inicial, Moro passou a enquadrar os questionamentos dos senadores na sua moldura. Nem confirmou nem desmentiu coisa nenhuma. Para refutar a tese segundo a qual atuou em conluio com procuradores, esgrimiu estatísticas sobre decisões nas quais contrariou o desejo da força-tarefa de Curitiba. Para reafirmar a correção de suas sentenças, realçou que elas passaram por diferentes instâncias do Judiciário.

A sessão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado prossegue. Ainda vai longe. Mas já está inserida na trajetória de Sergio Moro como uma passagem constrangedora. Habituado a interrogar, o ex-juiz passa por uma inquirição. Para complicar, compõem a plateia da comissão culpados e cúmplices que merecem interrogatório.

O Moro que se encontra no Senado é muito diferente do magistrado de outrora. Está mais próximo da política do que do Direito. Ficou ainda mais perto das urnas de 2022 do que da poltrona que deve ficar vaga no Supremo em novembro de 2020. Paradoxalmente, sua popularidade tende a aumentar na proporção direta do crescimento dos questionamentos à imparcialidade de sua atuação como juiz.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.