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Josias de Souza

Tática de Moro embaralha julgamento sobre Lula

Josias de Souza

20/06/2019 12h38

No depoimento à Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Sergio Moro chamou de "vivandeiras da nulidade" as pessoas que enxergam nas mensagens eletrônicas atribuídas a ele elementos para justificar a anulação de sentenças. Não citou nomes. Mas referia-se sobretudo a Lula e seus advogados. Com método de ex-juiz, Moro cuidou de embaralhar o julgamento do recurso em que a defesa do preso petista contesta no Supremo Tribunal Federal a condenação no caso do tríplex. Fez isso ao lançar dúvidas sobre a autenticidade das mensagens que colocaram em xeque sua imparcialidade como juiz da Lava Jato.

Num primeiro momento, quando as mensagens que Moro trocou com o procurador Deltan Dallagnol ganharam as manchetes, o ministro e o coordenador da força-tarefa de Curitiba preocuparam-se mais em explicar o contexto do que em contestar a autenticidade do texto. Condenaram a forma criminosa como as mensagens foram obtidas. Queixaram-se da maneira como foram divulgadas. Quanto ao conteúdo, limitaram-se a sustentar que as mensagens não revelavam ilegalidades. Ficou subentendido que confirmavam a integridade das conversas. Algo que potencializou a repercussão e atiçou a reação dos defensores de Lula.

Foi contra esse pano de fundo que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, declarou que uma prova obtida ilegalmente não é necessariamente nula. Pode ser usada em benefício de vítimas de condenações injustas. Ele afirmou: "…Se amanhã, [alguém] tiver sido alvo de uma condenação, por exemplo, por assassinato, e aí se descobrir, por uma prova ilegal, que ele não é autor do crime, se diz que, em geral, essa prova é válida."

Com seu depoimento, Moro contrapôs ao entendimento de Gilmar uma variável nova: a dúvida. "Essas mensagens podem ser total ou parcialmente adulteradas", disse o ex-juiz aos senadores. Nessa versão, a origem criminosa não seria o único problema da prova. Além de terem sido extraídas ilegalmente dos celulares de autoridades, as mensagens estariam tisnadas pelo vício da manipulação. Quer dizer: para utilizar os diálogos tóxicos em benefício de Lula ou de qualquer outro condenado, o Supremo precisaria, em tese, encomendar uma perícia capaz de afastar as dúvidas quanto à veracidade do material extraído do Telegram.

Metódico, Sergio Moro injetou no roteiro da sua defesa um obstáculo adicional. Reafirmou que deixou de usar o aplicativo em 2017. Disse ter apagado as mensagens. E já não haveria rastros delas nem mesmo no arquivo central do administrador russo do Telegram. Ecoando Moro, os procuradores de Curitiba divulgaram nota para informar que também apagaram suas mensagens no último mês de abril, quando notaram que seus celulares estavam sendo invadidos.

Diz a nota da Lava Jato: "Tendo em vista a continuidade, nos dias subsequentes, das invasões criminosas e o risco à segurança pessoal e de comprometimento de investigações em curso, os procuradores descontinuaram o uso e desativaram as contas do aplicativo Telegram nos celulares, com a exclusão do histórico de mensagens tanto no celular como na nuvem." Ou seja: confirmando-se as alegações de Moro e dos procuradores, seria impossível produzir uma prova técnica e irrefutável a partir das mensagens que recheiam o noticiário.

O recurso no qual a defesa de Lula contesta a atuação de Moro na Segunda Turma do Supremo é do ano passado. Nele, a migração do juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba para o Ministério da Justiça do governo Bolsonaro era apresentada como principal evidência da motivação política da sentença que levou Lula à cadeia. Dias atrás, em nova petição, os defensores de Lula os empurraram para dentro do processo as mensagens trocadas entre Moro e Dallagnol.

O recurso começou a ser julgado em dezembro passado. Dois dos cinco ministros da Segunda Turma já proferiram seus votos. Edson Fachin, relator da Lava Jato, e Cármen Lúcia votaram contra as pretensões da defesa. Gilmar Mendes pediu vista do processo, retardando o desfecho. Enxergou no noticiário sobre as mensagens tóxicas da Lava Jato uma boa oportunidade para reabrir a discussão. A conclusão do julgamento foi marcada para a próxima terça-feira (25).

Tomados pelo histórico de suas decisões, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski tenderiam a votar a favor de Lula. Supondo-se que Edson Fachin e Cármen Lúcia não alterem seus votos, caberia ao decano Celso de Mello, proferir o voto decisivo. Ele teria ficado incomodado com o teor das mensagens. Resta saber se o ministro admitiria como válidas as provas ilegais e não periciadas. Sintomaticamente, os ministros do Supremo passaram a considerar a hipótese de adiar uma vez mais o julgamento. A tática de Moro contra o que chamou de "vivandeiras da nulidade" pode embaralhar o jogo.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.