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Josias de Souza

Foi dando que Jair Bolsonaro recebeu na Câmara

Josias de Souza

10/07/2019 21h01

Secretário especial da Previdência do Ministério da Economia, Rogério Marinho é um ex-deputado reconhecido como um negociador político jeitoso. Desde segunda-feira, porém, Marinho teve de usar mais do que a saliva para auxiliar no azeitamento da aprovação do texto-base da proposta de reforma da Previdência. Enviou para líderes partidários, via WhatsApp, cópias de edição extraordinária do Diário Oficial com a publicação da liberação de verbas orçamentárias para municípios das bases eleitorais dos deputados.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, alardeava já no sábado que a reforma seria aprovada com folga. De fato, o jogo já estava jogado. As legendas do centrão, sem as quais a maioria de três quintos jamais seria alcançada, haviam topado aprovar a mexida previdenciária desde a votação na comissão especial, na semana passada. Mas os partidos definiram também que Jair Bolsonaro teria de fazer um gesto. Ao exibir para o blog a mensagem recebida do secretário Rogério Marinho, um dos líderes resumiu o sentimento do grupo: "O presidente precisa descer do salto alto."

De saída da articulação política, o chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni havia negociado a liberação de R$ 40 milhões em emendas para cada parlamentar—metade agora, até a votação da reforma da Previdência em dois turnos; e o restante no final do ano. A emissão de notas de empenho, documentos que formalizam a intenção de pagar, não foi suficiente para aplacar os ânimos dos deputados. Era preciso iniciar a liberação efetiva dos recursos, de modo que Bolsonaro calçasse sandálias e as prefeituras beneficiadas com os repasses fossem contempladas imediatamente.

Recém-chegado à coordenação política, o general Luiz Eduardo Ramos, novo titular da Secretaria de Governo da Presidência, teve de dar as caras num encontro com líderes partidários na residência oficial do presidente da Câmara. Avalizou os acordos firmados por Onyx. Fez isso com a anuência de Bolsonaro. E as liberações começaram a fluir. Coisa de R$ 1,13 bilhão na noite de segunda-feira, R$ 178  milhões nesta quarta-feira.

Bolsonaro foi ao Twitter, seu habitat natural, para explicar-se: "A Emenda Constitucional 86/2015 tornou as emendas parlamentares individuais impositivas, portanto independe da vontade do presidente a sua liberação. Outros recursos previstos no orçamento, havendo disponibilidade, também são liberados para obras em estados ou municípios", anotou. Meia verdade.

De fato, o pagamento das emendas é impositivo. Mas cada deputado tem direito a R$ 15,4 milhões por ano. Nada a ver com as verbas "extra-orçamentárias" negociadas com Onyx. De resto, o que dá à operação ares de troca-troca é a atmosfera de chantagem que impregnou o ar seco de Brasília. Os deputados condicionaram o voto às liberações. E Bolsonaro desceu do salto que escalara na campanha para o chão escorregadio da Câmara, um solo que ele pisou durante 28 anos.

Numa conversa privada, o capitão cuidou de diferenciar o pagamento de emendas que autorizou do toma lá, dá cá espúrio. "Ninguém viu mala de dinheiro circulando", declarou. No Twitter, Bolsonaro escreveu: "No passado, como todos sabem, os métodos eram outros. Hoje, o parlamento está mais que consciente de sua responsabilidade, do que devem ou não aprovar ou aperfeiçoar, sempre focado no bem-estar de todos."

Na Era tucana, Fernando Henrique Cardoso justificava as concessões à banda arcaica do Parlamento invocando a "ética da responsabilidade" de Max Weber. Sem a mesma erudição, Lula eximiu-se de teorizar sobre a devassidão que o levou a comprar apoio parlamentar em meio a uma erupção de lama que desaguou no mensalão e no petrolão.

Sob Bolsonaro, o apetite fisiológico retorna aos padrões tradicionais: emendas e, a depender da vontade dos líderes, cargos no segundo escalão. O capitão piscou. Revelou-se capaz de gestos de pragmatismo que o fizeram conquistar até os ansiados privilégios previdenciários para a corporação dos policiais, sua preferida.

Aos olhos do centrão, o capitão entrou no jogo. Ganhou orelhas de lobo, focinho de lobo e dentes de lobo. Embora continue escrevendo no Twitter como uma inocente vovozinha disfarçada, foi dando que Jair Bolsonaro recebeu o apoio dos partidos do centrão e seus congêneres na Câmara.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.