Retórica do capitão vai do excremento à asneira
A língua de Jair Bolsonaro dá ao seu dono a aparência de um sujeito escrachado —do tipo que, avesso ao hábito de ouvir e dotado da dificuldade de ler, cultiva a mania de falar dez vezes antes de pensar. Improvisadora contumaz, a língua ultrapassa as fronteiras do paroxismo. Vão resumidas abaixo três cenas das últimas 72 horas. Ajudam a compreender o drama.
1) Na saída do palácio residencial do Alvorada, um repórter perguntou ao capitão se ele acredita ser possível harmonizar preservação ambiental com crescimento econômico. A resposta foi positiva. A língua lecionou: "É só você fazer cocô dia sim, dia não". (assista abaixo).
2) Nos salões do Planalto, Bolsonaro concedeu a um grupo de estudantes gaúchos o ar de sua graça. Exibiu-se aos visitantes com Sergio Moro a tiracolo. Atendeu gostosamente ao pedido para que autografasse uma camiseta. Repassou-a para Moro. Após acomodar seu jamegão sobre o tecido, o ministro devolveu a peça. E a língua, do nada, sapecou um "Lula livre!", emendando uma gargalhada que deixou embasbacado o ex-juiz da Lava Jato. (repare no vídeo)
3) Numa transmissão ao vivo pela internet, Bolsonaro facultou a Sergio Moro a oportunidade de vender à plateia um pacote anticrime que, horas antes, a língua dissera não ser mais prioritário. Ao final, Moro pediu licença para "trocar de lugar" com o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente). A língua não perdeu a piada: "Vai fazer um troca-troca com o Salles aí?" Às gargalhadas, aconselhou: "Troca só a cadeira…"
Vá lá que o Bolsonaro da Presidência da República não precisa ser completamente diferente do Bolsonaro que assombrou a Câmara por 28 anos. Mas a língua do capitão exagera ao adicionar pitadas de escatologia e de asneiras a bizarrices como a concessão do título de "herói nacional" a um torturador de mostruário do porte de Brilhante Ustra.
Admirador dos Estados Unidos, Bolsonaro deveria inspirar-se em Theodore Roosevelt. Ele dizia que a Presidência da República oferece àquele que a ocupa uma tribuna vitaminada. Chamava-a de bully pulpit —púlpito formidável, numa tradução livre. De um bom presidente, ensinou Roosevelt, espera-se que aproveite o palanque privilegiado para irradiar confiança e bons exemplos. De Bolsonaro não se espera tanto. Mas uma dose de recato já pareceria um extraordinário avanço institucional.
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