Bolsonaristas vão à rua na contramão do capitão
A infantaria bolsonarista organiza nova manifestação para o dia 25 de agosto, um domingo. Dessa vez, o asfalto roncará em duas faixas. Numa, apoiará a dupla Sergio Moro e Deltan Dallagnol. Noutra, pedirá o impeachment de uma trinca suprema: Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.
Jair Bolsonaro terá dificuldade para surfar as cenas, pois passou a marchar na contramão de sua tropa. Trocou a defesa da Lava Jato pela proteção dos esqueletos que sua família tem no armário. Hoje, faz dobradinha com Toffoli e Cia. para desligar da tomada o Coaf e enfraquecer a Receita Federal —duas usinas de dados para processos anticorrupção.
Em 27 de agosto, dois dias depois da manifestação, Moro e Deltan serão arrastados para o patíbulo. O pescoço do ex-juiz vai à guilhotina na Segunda Turma do Supremo, no julgamento de um pedido de suspeição formulado pela defesa de Lula. Com azar, esse julgamento pode envenenar a biografia de Moro como ex-magistrado. Com muito azar, a Segunda Turma pode devolver Lula ao meio-fio.
A lâmina assediará a garganta de Deltan, chefe da força-tarefa de Curitiba, no julgamento de um pedido de punição no Conselho Nacional do Ministério Público. Coisa relacionada ao conteúdo da primeira leva de mensagens roubadas do seu celular. O conta-gotas começou a pingar há dois meses e cinco dias, em 9 de junho. Numa das conversas, ironicamente, Deltan fala para colegas da Lava Jato sobre a conveniência de atiçar as ruas.
Tomando-se como autêntico o que foi vazado, o coordenador da Lava Jato escreveu o seguinte na antevéspera da apresentação da primeira denúncia contra Lula: "A opinião pública é decisiva e é um caso construído com base em prova indireta e palavra de colaboradores contra um ícone que passou incólume pelo mensalão." Com azar, as mensagens podem render uma suspensão de Deltan. Com muito azar, abre-se um procedimento para sua exoneração.
Na campanha presidencial, Bolsonaro enrolou-se na bandeira da ética. Eleito, enfeitou a Esplanada dos Ministérios com a biografia do homem que mandou prender Lula. Agora, seus apologistas mais abrasivos pedem que prestigie Moro e aproveite a sucessão de Raquel Dodge para acomodar Deltan na poltrona de procurador-geral da República.
Em relação a Moro, o capitão deu voz de prisão ao pacote anticrime do ministro, trancando-o no freezer. "Entendo a angústia dele em querer que o projeto dele vá para a frente, entendo, mas nós temos que combater, diminuir o desemprego, fazer o Brasil andar, abrir o nosso comércio." Quanto a Deltan, Bolsonaro apressou-se em afastá-lo da poltrona de procurador-geral. Retuitou mensagem na qual o procurador era retratado como "um esquerdista estilo PSOL".
Em nova fase, o capitão reserva seus melhores elogios para as togas que seus seguidores querem puxar para fora do Supremo. Em privado, Bolsonaro derrama-se em elogios a Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. A pedido do primogênito Flavio Bolsonaro, Toffoli, suspendeu investigações fornidas com dados do Coaf e da Receita. Moraes travou investigação do Fisco sobre 133 contribuintes, entre eles Gilmar Mendes. E mandou afastar dois servidores da Receita.
Noutros tempos, Jair Bolsonaro espancaria o Supremo e seus ministros nas redes sociais. Seu filho Zero Três, Eduardo Bolsonaro, talvez repetisse que bastam "um cabo e um jipe" para fechar a Suprema Corte. Mas os tempos são outros. Escolhido como novo embaixador brasileiro em Washington, Eduardo virou matéria-prima para o Supremo numa ação por nepotismo que aguarda na fila para acontecer. E seu pai-presidente agora faz dobradinha com a Corte que costumava desancar.
Nas pegadas das decisões de Toffoli e Moraes, Bolsonaro se equipa para fatiar os poderes da Receita e lopoaspirar as competências do Coaf, escondendo-o no organograma do Banco Central. De resto, ajeita a demissão de Roberto Leonel, o auditor que Moro transferira da Lava Jato para o comando do Coaf na época em que ainda dispunha de "carta branca".
A cabeça de Leonel vai à bandeja porque ele ousou criticar, por esdrúxula, a decisão de Toffoli no recurso de Flávio Bolsonaro. Recorde-se que a movimentação bancária atípica do filho mais velho não é o único esqueleto dos Bolsonaro. As investigações bloqueadas por Toffoli incluem transferência de R$ 24 mil do "amigo" Fabrício Queiroz para a conta bancária da primeira-dama Michelle Bolsonaro.
O presidente alegou tratar-se de parte do pagamento de um empréstimo de R$ 40 mil que fez a Queiroz, ele próprio dono de movimentação bancária milionária. Não há vestígio de contrato ou promissória. Bolsonaro desobrigou-se de prestar contas à Receita Federal. Ainda não explicou como repassou os R$ 40 mil ao "amigo". Tampouco esclareceu se já regularizou sua situação no fisco. Sabe-se apenas que a primeira-dama encontra-se na alça de mira de auditores fiscais.
O discurso que fazia de Bolsonaro um paladino autoproclamado dos bons costumes enferrujou. A manifestação do dia 25 de agosto ajudará a expor o processo de oxidação. É cedo para dizer se as ruas conseguirão deter as lâminas que um pedaço do Supremo e do Conselho Nacional do Ministério Público gostariam de descer sobre os pescoços de Moro e Deltan. Mas Bolsonaro já não consegue disfarçar a ferrugem que recobre sua imagem.
Os procuradores de Curitiba queixam-se de que a oligarquia e a bandidagem repetem com a Lava Jato o movimento de desqualificação que engolfou a Operação Mãos Limpas, na Itália. Lá, deu em Silvio Berlusconi. Se Bolsonaro não se cuidar, o asfalto pode concluir que ele virou uma espécie de Berlusconi à brasileira.
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