Topo

Josias de Souza

Quebrado, Bolsonaro rasga verbas internacionais

Josias de Souza

16/08/2019 19h23

Jair Bolsonaro se relaciona com a ruína fiscal do governo sem método. Nesta sexta-feira, abalroado por uma pergunta sobre o corte de bolsas de estudo do CNPq, teve um surto de sinceridade: "O Brasil inteiro está sem dinheiro… Em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão."

Dias antes, o capitão ironizara a decisão da Alemanha de suspender o repasse de R$ 150 milhões para projetos de proteção ambiental na Amazônia: "Podem fazer bom uso dessa grana, o Brasil não precisa disso".

Na véspera, o presidente fizera piada ao comentar a suspensão de outros R$ 133 milhões que o governo norueguês aplicaria no Fundo Amazônia. "A Noruega não é aquela que mata baleia no Polo Norte? Explora petróleo também lá? Não tem nada a dar exemplo para nós. Pega a grana e ajude a Angela Merkel a reflorestar a Alemanha".

Há dois presidentes em cena. Um deles rende-se à realidade da política de cintos apertados. O outro, empenhado em transformar o Brasil num pária ambiental, soa desconexo. As verbas internacionais que Bolsonaro refugou viriam como doações, não como empréstimos. Em uma década, o Fundo Amazônia recebeu R$ 3,4 bilhões, 93% dos quais provenientes da Noruega.

Conforme já comentado aqui, a loucura ambiental do governo entrou naquela perigosa fase em que os malucos costumam rasgar dinheiro. Para justificar os cortes em programas essenciais, Bolsonaro aponta para o abismo fiscal. Ao desdenhar de países que firmam parcerias monetárias com um Brasil quebrado, ele dança na beirada do desfiladeiro.

"Os ministros estão apavorados", disse o Bolsonaro que reconhece o abismo. Eles "tentam fazer milagre", ele enfatiza. Nem o Exército escapou da tesoura: "Vai entrar em meio expediente. Não tem comida para o recruta, que é filho de pobre."

Com menos de oito meses de mandato, o capitão ainda pode apontar os culpados pela ruína no retrovisor: "Essa situação em que nos encontramos é grave, não é maldade da minha parte, não tem dinheiro. Só isso".

No setor ambiental, porém, a situação é outra. Nessa área, o desastre é obra 100% construída no atual governo. E a encrenca está apenas começando. O desdém de Bolsonaro com a preservação da floresta amazônica não demora a produzir interdições à venda de produtos do agronegócio brasileiro no exterior. Os bloqueios são certos como o nascer do sol a cada manhã.

O pedaço mais arcaico do país, habitado por desmatadores vorazes, trogloditas rurais e toupeiras climáticas, aplaude a loucura presidencial. A turma do agronegócio moderno preocupa-se com a existência de dois presidentes no Planalto —um rendido ao cenário de pindaíba, outro jogando dinheiro doado pela janela.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.