Decisão do STF inspira indagação: E a propina?
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal anulou pela primeira vez uma sentença de Sergio Moro na Lava Jato. A decisão beneficiou Aldemir Bendine, que presidiu a Petrobras sob Dilma Rousseff. Alegou-se que houve um defeito processual. Coisa não prevista em lei. Nada a ver com as provas mencionadas no veredicto de Moro, que estava na bica de ser confirmado pelo TRF-4, tribunal de segunda instância. A reviravolta deixou boiando na atmosfera uma pergunta incômoda: E a propina de R$ 3 milhões que Bendine recebeu da Odebrecht?
O miolo da encrenca envolve um debate capcioso sobre o prazo para a apresentação das últimas manifestações das partes envolvidas no processo antes da sentença do juiz. Por 3 votos a 1, prevaleceu a tese segundo a qual Bendine, como réu delatado, deveria ter apresentado suas "alegações finais" por último, depois dos delatores. A defesa reclamou que Moro abriu prazo conjunto para a manifestação dos réus, sem distinguir delatado e delatores. O então juiz da Lava Jato procedeu assim em todos os processos com a participação de delatores na Lava Jato.
Um observador leigo fica tentado a perguntar aos seus botões: por que diabos Sergio Moro cometeria um erro tão banal? Antes de responder, é preciso fazer um esclarecimento: Não há no Código de Processo Penal nem na Lei de Delações nenhuma menção a prazos distintos para a manifestação final dos réus. Ou seja, Moro não atropelou a legislação. Para ele, o fato de ter delatado não retira de um criminoso a condição de réu. Portanto, não haveria razão para diferenciar corruptos delatores de larápios delatados.
Na visão de Moro, a acusação continua sendo uma prerrogativa da Procuradoria. E os procuradores da força-tarefa de Curitiba falaram nos autos antes de Bendine. Ou seja: o sacrossanto direito de defesa foi exercido em sua plenitude. Na novíssima interpretação da Segunda Turma, o delator deve ser tratado não como um réu convencional, mas como uma espécie de testemunha de acusação. Assim, embora não exista previsão legal, o juiz deveria ter observado o princípio geral do Direito que concede à defesa a prerrogativa de se manifestar depois da acusação. Nessa versão, a manifestação do réu-delator viria obrigatoriamente antes.
Vale a pena repetir a pergunta lá do alto: E a propina de R$ 3 milhões que Bendine recebeu da Odebrecht? O ex-mandachuva da Petrobras foi condenado por Moro a 11 anos de cadeia porque não conseguiu refutar as provas de que se vendeu em troca de favores à empreiteira. A defesa de Bendine foi malsucedida também no TRF-4, que confirmou a sentença de primeira instância. Os desembargadores do segundo grau discordaram apenas do tamanho da pena, reduzindo-a para 7 anos e 9 meses. Faltava o julgamento de um derradeiro recurso para que Bendine retornasse ao xilindró, para o cumprimento da pena.
Considerando-se a corrupção sistêmica que a Lava Jato trouxe à tona, é imperioso constatar que a Segunda Turma do Supremo responde à epidemia de roubalheira com a patologia do formalismo processual. Sempre que não consegue livrar um réu das acusações que lhe são imputadas, os advogados lançam mão de incidentes processuais. Isso muitas vezes não tem nada a ver com o tão aclamado devido processo legal ou com o pleno direito de defesa. Trata-se apenas de um antibiótico que livra culpados das dores de suas penas e infecta no sistema judicial brasileiro o vírus da impunidade.
No caso de Bendine não houve nem mesmo a preocupação de demonstrar cabalmente que o suposto defeito processual resultou em prejuízo efetivo para o exercício do direito de defesa. O formalismo prevaleceu sobre todas as coisas.
Há uma euforia entre os criminalistas que atendem à clientela da Lava Jato. Vem aí uma penca de recursos pedindo a extensão do benefício concedido a Bendine para outros condenados. A defesa de Lula já ocupa o primeiro lugar na fila. Difícil entender tanta alegria. O estrago é grande, mas ainda não é definitivo. Bendine não foi inocentado. O processo retornou à 13ª Vara de Curitiba. Ali, o juiz Luiz Antônio Bonat, substituto de Moro, tende a reiterar a condenação. O que preocupa é a sensação de que a suprema Justiça, além de ser cega, perdeu o olfato. Já não consegue farejar o principal: E a propina?
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