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Josias de Souza

Bolsonaro volta a avacalhar o conceito de indulto

Josias de Souza

30/08/2019 23h47

No Brasil, até o nobre conceito do indulto está sendo avacalhado. Nas últimas três décadas, todos os presidentes submetidos à Constituição de 1988 exercitaram seus pendores humanitários por meio do indulto de Natal. Mas há um limite depois do qual uma tradição pode se transformar em maldição. Em 2017, o que parecia natural virou imoral. O então presidente Michel Temer estendeu o indulto aos presos por corrupção. Agora, Jair Bolsonaro quer perdoar policiais condenados.

O indulto de Temer levou a suavização do castigo às fronteiras do escárnio, perdoando 80% das penas e 100% das multas. A Procuradoria-Geral da República recorreu na época. O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, levou o pé à porta, atenuando o absurdo por meio de uma liminar. Mas Temer acabou prevalecendo no plenário da Suprema Corte. Ficou entendido que o indulto é um ato discricionário do presidente. Ou seja: no limite, Bolsonaro pode fazer agora o que lhe der na telha.

Na campanha presidencial, Bolsonaro disse que o petista Fernando Haddad, se eleito, decretaria um indulto seletivo, só para abrir a cela de Lula, um malfeitor da política. Agora, o capitão ameaça recorrer à mesma seletividade para livrar da tranca os bandidos da polícia —civis e militares. Gente condenada, segundo ele, "por pressão da mídia".

Pela tradição, o indulto só pode beneficiar criminosos "não-violentos". Sob Temer, alegou-se que corrupção não é crime violento. Uma bobagem. Ao roubar verbas públicas, o corrupto mata metaforicamente nas macas dos hospitais sem recursos. Mata o futuro de crianças matriculadas em escolas precárias. Bolsonaro será ainda mais explícito. Promete soltar gente que puxou o gatilho.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.