Raquel Dodge tem final de mandato melancólico
Oficialmente, o mandato de Raquel Dodge à frente da Procuradoria-Geral da República termina em 17 de setembro. Na prática, morreu muito antes. A morte de uma gestão significa, em última análise, um pouco de vocação. Embora Dodge continue dando expediente, sua atuação é tão pouco militante que seus próprios colegas anteciparam o funeral.
Nesta quinta-feira, os seis procuradores que cuidam da Lava Jato em Brasília pediram desligamento de suas funções. Foi como se Raquel Branquinho, Maria Clara Noleto, Luana Vargas, Hebert Mesquita, Victor Riccely e Alessandro Oliveira atirassem no gabinete de Dodge a última pá de cal. Há um mês, o coordenador do grupo, José Alfredo de Paula, já havia formalizado uma exoneração com aparência de coroa de flores.
José Alfredo puxara o cortejo insatisfeito com o ritmo do velório. Dodge pisara no freio. Mantinha na gaveta desde janeiro, por exemplo, a delação de Léo Pinheiro, da OAS. De repente, Dodge enviou a peça ao Supremo, para homologação. A turma da Lava Jato sentiu um cheiro de enxofre.
Dodge requereu de antemão ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, o arquivamento dos trechos em que Léo Pinheiro encosta mais um caixa dois na reputação de Rodrigo Maia, presidente da Câmara; e diz ter pagado propina a José Ticiano Dias Toffoli, ex-prefeito de Marília e irmão do presidente do Supremo. Os delatados negam as imputações.
No ocaso de um mandato de dois anos, Dodge passou a exibir um comportamento inusual. Decidiu não disputar a eleição que resultou na formação da lista com os três nomes preferidos da corporação para ocupar a sua poltrona. Fugiu da disputa porque sua impopularidade entre os próprios pares a levaria a cavalgar uma candidatura natimorta.
Ao pressentir que Jair Bolsonaro daria de ombros para a lista tríplice dos procuradores, Dodge ofereceu, por assim dizer, seus préstimos ao presidente da República: "Eu estou à disposição, tanto da minha instituição quanto do país, para uma eventual recondução. Não sei se isso vai acontecer." A despeito do apoio que Dodge recebeu de personagens como Rodrigo Maia e Dias Toffoli, sua recondução não aconteceu. "Será um homem", avisava Bolsonaro no alvorecer da semana.
Há dois anos, Dodge consideraria o oferecimento dos seus serviços ao presidente de plantão como um arranjo político-partidário. Ela dissera ao blog em 2017: "Sou uma dentre os inúmeros procuradores da República que confiam na lista [tríplice] como um instrumento que serve de biombo entre uma escolha meramente político-partidária e uma escolha de alguém que possa desempenhar com desenvoltura, com destemor, plenamente as atribuições deste cargo".
Autoconvertida numa espécie de ex-Dodge, a agora quase ex-procuradora-geral da República reagiu à demissão coletiva do seu staff na área criminal com uma nota oficial. Nela, está anotado que "age com base em evidências, observa o sigilo legal e dá rigoroso cumprimento à Constituição e à lei."
Para os ex-auxiliares de Dodge, a peça sobre a delação de Léo Pinheiro teve o peso de uma lápide. Mas a sensação de fenecimento começou antes, muito antes. As flores, a cal e a laje chegam como derradeiros símbolos de um lento, suave e penoso processo. Dodge tornou-se algo muito parecido com uma ex-chefe do Ministério Público Federal no exercício da chefia.
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