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Josias de Souza

Rodrigo Maia oscila entre reformismo e arcaísmo

Josias de Souza

17/09/2019 19h30

No universo da política brasileira, não há coisas certas ou erradas. Há coisas que são toleradas e outras que pegam mal. A proposta que piorava as regras eleitorais e partidárias pegou mal, muito mal. Urdida na surdina, passou na Câmara. Formara-se no Senado uma maioria disposta a referendar a desfaçatez. O Presidente da Casa, Davi Alcolumbre, mantinha o mesmo ritmo de toque de caixa. As entidades civis gritaram. As manchetes ecoaram. As redes sociais berraram. E os senadores deram meia-volta.

Fecharam-se as portas para a flexibilização do uso de verbas públicas sem transparência e sem perspectiva de punição. Manteve-se aberta, entretanto, uma janela para a redefinição do valor do fundo que financiará a eleição municipal do ano que vem. Com pressão, a conta ficará em R$ 1,7 bilhão. Sem pressão, pode chegar a R$ 3,7 bilhões.

O recuo do Senado realçou uma anomalia que levou os deputados a aprovarem o inaceitável. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deve estar confuso com esse negócio de ter que separar o articulador das reformas econômicas modernizantes do líder do centrão. Não demora e terá de dar ordem na residência oficial para ser acordado assim: "Chamem o articulador da modernidade primeiro. Deixem o líder do atraso dormir um pouco mais."

Os colegas já não sabem se estão falando com o reformista ou com o arcaico. Chamar pelo nome não resolve. "Rodrigo…" Hummmm… "Qual dos dois?" Talvez seja necessário estabelecer um código. Em dia de negociação de reformas econômicas como a previdenciária ou a tributária, gravata lisa. Nos debates com o centrão sobre formas de gastar verba pública como se fosse dinheiro grátis, gravata estampada.

Em ambientes mais informais, a gravata seria substituída pelo boné. Para o articulador reformista, boné com a letra 'B', de Brasil. Para o chefe da banda retrógrada, boné com a letra 'C', de Centrão — um centrão que, em matéria eleitoral e partidária, revelou-se hipertrofiado, incluindo do velho e bom MDB ao PSL de Jair Bolsonaro, do sujo PT ao mal lavado PSDB.

A tão propalada renovação das urnas produziu um Legislativo de dupla personalidade, uma instituição do tipo médico e monstro. Resta à sociedade manter a vigilância. E continuar gritando. Sob pena de os parlamentares, nos instantes de distração, plantarem bananeira no interior dos cofres públicos sem nem trocar de gravata.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.