Topo

Josias de Souza

‘Rompimento’ do PSL com Witzel virou anedota

Josias de Souza

26/09/2019 10h58

Há dez dias, em viagem à China, o senador Flávio Bolsonaro, presidente do PSL do Rio de Janeiro, anunciou em nota oficial o rompimento do partido com o governador fluminense Wilson Witzel. A turma do PSL deveria deixar os cargos que ocupa no governo do Rio, sob pena de expulsão. Seguiu-se uma pantomima que impôs à cena uma certa ponderabilidade cômica. O filho Zero Um do presidente ficou em posição análoga à do sujeito que diz que vai quebrar a cara do outro, mas leva tanto tempo para levantar da cadeira que acaba comprometendo a seriedade da ameaça.

O PSL mantém dois filiados no secretariado de Witzel: a deputada federal licenciada Major Fabiana comanda a pasta de Vitimização e Amparo à Pessoa com Deficiência. Leonardo Rodrigues, segundo suplente de Flávio no Senado, chefia a Secretaria de Ciência e Tecnologia. Nenhum dos dois pediu demissão. Não há vestígio tampouco de debandada da turma do PSL alojada em cargos de segundo e terceiro escalão do governo do Rio. Expulsões? Nem sinal!

Ao se dar conta de que havia o risco de um êxodo dos seus correligionários para o PSC, partido de Witzel, Flávio Bolsonaro protagonizou algo muito parecido com uma rendição à lógica do fisiologismo. "Após refletir, avaliei que eles é que têm que medir as consequências", disse o primogênito do presidente ao Globo. "Claro que os deputados têm méritos pela última eleição, mas ter o apoio do Bolsonaro foi importante. É hora de mostrarem fidelidade. Os parlamentares, porém, têm livre vontade dentro do partido, até porque não foram indicados para os cargos pelo PSL."

Deve-se o vaivém de Flávio ao desejo de Witzel de disputar o Planalto em 2022. O senador assegura que não há digitais do pai na tentativa de rompimento. "Coube a mim, como presidente estadual do partido, tomar uma atitude." Acredita quem quiser. O Zero Um acrescenta: "Witzel está há pouco tempo na cadeira e anuncia que quer assumir a Presidência da República, quando, sabidamente, há a candidatura à reeleição do atual presidente. O Rio não pode se dar ao luxo de brigar neste momento. Witzel tem que botar o Rio à frente dos interesses pessoais."

O diabo é que foi Jair Bolsonaro quem antecipou prematuramente o debate presidencial. No seu caso, o flerte com a reeleição não foi apenas um luxo, mas uma temeridade. Em condições normais, seria constrangedor assistir a um presidente que acabou de se eleger com a promessa de ser o coveiro de velhos hábitos políticos comprometendo o seu governo com uma disputa pelo Poder que, além de prematura, pode ser paralisante. Quando isso ocorre nos primeiros meses de uma Presidência de resultados econômicos precários, o constrangimento evolui para a perplexidade.

Nesse contexto, o esforço de Flávio para conter em Witzel uma ambição que transborda no chefe do clã Bolsonaro transformou o senador em personagem de anedota. Com sua ameaça de desembarque não quebrou, por ora, senão a própria cara.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.