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Josias de Souza

Propaganda sobre pacote de Moro chega tarde

Josias de Souza

04/10/2019 00h50

A solenidade de lançamento da campanha publicitária sobre o pacote anticorrupção e anticrime organizado de Sergio Moro ocorreu numa conjuntura crivada de ironias. A primeira ironia é que o governo tenta esboçar o futuro do combate ao crime numa hora em que o Supremo Tribunal Federal se ocupa de desfazer sentenças passadas. Ao discursar, Bolsonaro privilegiou a segurança pública, não a corrupção. E rendeu homenagens aos policiais que matam mais. Moro, sem desprezar o tema da violência, deu ênfase à necessidade de aprimorar o combate à corrupção.

A campanha do governo fala de mudanças legislativas para melhorar ações futuras. O problema é que a recente decisão do Supremo de reconstituir o passado de sentenças já julgadas transforma a campanha oficial num novo exemplo de dinheiro público jogado pela janela. E faz de Sergio Moro um orador de conversa mole.

Os planos que o ministro pretendia aprovar no Congresso em seis meses tornam-se ainda mais oníricos quando se recorda que o seu chefe é um presidente da República cujo filho, Flávio Bolsonaro, foi superblindado por duas liminares do Supremo, uma do ministro Dias Toffoli, outra de Gilmar Mendes. Liminares que suspenderam processo em que o primeiro-filho era investigado por suspeita de peculato e lavagem de dinheiro.

Num cenário assim, o presidente tende a se aliar ao bloco de culpados e cúmplices do Congresso que esvazia o pacote de Moro e trama para desligar investigações da tomada. Para retirar o seu projeto do limbo, Moro teria de dialogar no Congresso com gente que merece interrogatório, não diálogo. Isso num momento em que a atuação do próprio ministro como ex-juiz da Lava Jato está sob questionamento. Num ambiente assim, é impossível ser otimista em relação ao futuro do combate à corrupção no Brasil.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.