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Josias de Souza

Sobrevida de ministro suspeito apodrece governo

Josias de Souza

04/10/2019 21h44

Em matéria de moralidade, Jair Bolsonaro conseguiu transformar o erro num hábito. O presidente não perde a oportunidade de perder oportunidades. Quando o ministro apareceu no noticiário como responsável pelo laranjal de candidaturas femininas fakes, o presidente alegou que não afastaria ministro com base em notícia de jornal. Quando a Polícia Federal abriu investigação, disse que inquérito não era sentença. Agora vieram o indiciamento da PF e a denúncia do Ministério Público à Justiça. O ministro foi formalmente acusado de falsidade ideológica, apropriação indébita e associação criminosa. Mas o capitão alega que é preciso aguardar o desfecho do processo.

Em política, quem escolhe o momento exato economiza muito tempo. Nesse escândalo do laranjal do PSL, Bolsonaro dormiu no ponto. O tempo de que o presidente dispunha para afastar o ministro não existe mais. Agora só existe o passar do tempo. E quanto mais o tempo passa, quanto maior for a sobrevida concedida ao ministro, maior será também o processo de apodrecimento do próprio governo.

Eu costumo dizer que, nas questões éticas, Bolsonaro opera em duas velocidades, ambas insultuosas. O presidente é intelectualmente lento e moralmente ligeiro. A lentidão intelectual faz com que Bolsonaro demore a perceber que sua inação faz do discurso de campanha um estelionato eleitoral. A ligeireza moral leva Bolsonaro a tratar os auxiliares em litígio com a lei com a mesma condescendência que dispensa ao filho Flávio Bolsonaro, encrencado num caso de peculato e lavagem de dinheiro.

Nesse contexto, o ministro Sergio Moro, que funcionaria como filtro moral do governo, ganha um novo sentido para permanecer no Ministério da Justiça. O ministro incorpora-se à paisagem de Brasília como uma espécie de atração turística. Ministros encrencados, como o do Turismo —que não é o único, diga-se—, frequentam as reuniões ministeriais ao lado de Moro como se estivessem no mirante das cataratas do Iguaçu. Sabem que é perigoso. Mas o perigo é apenas presumido.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.