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Josias de Souza

Trump dá a Bolsonaro tratamento de sub-Macri

Josias de Souza

10/10/2019 14h34

Jair Bolsonaro descobre da pior maneira que, em diplomacia, a substituição do pragmatismo pelo amor pode ser o caminho mais curto para a frustração. Contrariando as expectativas do Planalto, a Casa Branca não apoiou a proposta do Brasil de ingressar na OCDE, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Em carta à entidade, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, avalizou apenas as candidaturas de Romênia e Argentina. Quer dizer: Bolsonaro recebeu da administração do seu ídolo Donald Trump um tratamento de sub-Mauricio Macri.

Os pedidos argentino e romeno foram formalizados antes da solicitação brasileira. Entretanto, Mike Pompeo teve a oportunidade de incluir o apoio ao Brasil na carta que endereçou em 28 de agosto ao secretário-geral da OCDE, Angel Gurria. Limitou-se a anotar que "os Estados Unidos continuam preferindo a ampliação [do clube dos países ricos] num ritmo contido, que leve em conta a necessidade de pressionar por planos de governança e sucessão".

No gogó, continua valendo o compromisso assumido por Trump em março, durante visita de Bolsonaro à Casa Branca, de apoiar o ingresso do Brasil na OCDE. Na prática, não há prazo para o resgate da promessa. Enquanto o golpe de garganta não vira atitude, o apoio americano é tratado no mundo diplomático como uma espécie de conto do vigário no qual Bolsonaro caiu. Depois de trocar o antiamericanismo primário do PT por um pró-americanismo inocente, o capitão precisa cuidar para que o mito periférico não seja ludibriado pelo mito da potência.

Bolsonaro entregou o que podia a Trump —da Base de Alcântara à liberação da catraca do Brasil para os turistas americanos. Há dois meses, ao anunciar que a Casa Branca dera sinal verde à indicação do filho Zero Três para a embaixada brasileira em Washington, Bolsonaro jactou-se de uma peculiaridade: "Teve um linguajar pessoal no documento que eu recebi", declarou. Referia-se a um bilhete escrito por Trump de próprio punho. "É pessoal", festejou, sem se dar conta de que, em política externa, amar não é coisa para amadores.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.