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Josias de Souza

Para Joice, direita pode se organizar sem Bolsonaro

Josias de Souza

22/10/2019 03h58

Joice Hasselmann fala sobre ataques virtuais que tem sofrido

UOL Notícias

Não é que Joice Hasseumann (PSL-SP) tenha virado oposicionista. Tomada pelas palavras, a deputada considera que o presidente da República é que faz oposição a si mesmo, distanciando-se do Jair Bolsonaro de 2018. Líder do governo no Congresso até a semana passada, Joice disse no programa Roda Viva que continua sendo aliada do governo. Mas quem acompanhou a entrevista percebeu que ela agora está presa a Bolsonaro por grilhões de barbante.

Aliada ou independente?, quis saber um repórter. E Joice: "Sou aliada das pautas que nós prometemos na campanha." A deputada teve o cuidado de empilhar os compromissos eleitorais: "Combate inegociável à corrupção; [apoio] a 100% das pautas do pacote anticrime do Sergio Moro, sem fazer proteção de quem quer que seja que esteja envolvido em qualquer esquema ou suspeita de ilegalidade…"

No momento, Bolsonaro confraterniza com Dias Toffoli e Gilmar Mendes, os ministros do Supremo que trancaram a investigação contra o primogênito Flávio Bolsonaro por peculato e lavagem de dinheiro. O presidente dá de ombros para o pacote de Moro. De resto, há na Esplanada ministros investigados, denunciados e até um condenado. Ou seja: no padrão de Joice, Bolsonaro virou anti-Bolsonaro.

Joice já não exclui a hipótese de fortalecimento da direita brasileira sem Bolsonaro. "Tudo que você coloca como um endeusamento de alguém é muito ruim." Para ela, a direita não pode cometer o mesmo equívoco da esquerda, que guindou Lula à condição de divindade. "É muito ruim endeusar e deixar o movimento, uma onda, dependente de uma pessoa", declarou a deputada.

Na opinião da deputada, "a direita está se fortalecendo". Mas a fragmentação dá ao movimento uma aparência bagunçada. Há "a direita conservadora, a direita 100% liberal, a centro-direita, a direita mais ligada à Igreja católica, a direita mais ligada à igreja evangélica… É muita gente que precisa ser organizada. O movimento tem que ter líderes, mas não pode depender de uma única pessoa".

João Doria pode ser o líder da direita em 2022? Embora tenha evitado uma resposta categórica —"Acho que é cedo para antecipar o debate eleitoral"—, Joice não parece disposta a excluir a carta do governador tucano de São Paulo do seu baralho. O que vai determinar o jogo, ela acredita, é o desempenho administrativo de cada um. Acha que Doria "está indo muito bem" em São Paulo. E receia que Bolsonaro, graças ao que chamou de "onda de desgaste", vá "perder musculatura".

Joice deu um conselho a Bolsonaro: "Ele precisa cessar a onda de desgaste, botar os meninos lá, cada macaquinho no seu galho. E trabalhar pelas pautas que ele prometeu." Meninos é como a deputada se refere aos filhos de Bolsonaro, o Zero Um Flávio, o Zero Dois Carlos e o Zero Três Eduardo.

Joice: "Nunca houve tanta interferência de família dentro de um poder"

UOL Notícias

Um dos repórteres lembrou uma entrevista concedida nos primeiros meses do novo governo por Fernando Henique Cardoso. Nela, o grão-mestre do tucanato previra que, sob Bolsonaro, o Brasil voltaria a ser uma monarquia, na qual o presidente compartilharia o poder com os príncipes. Concorda?, quis saber o repórter. "Não só concordo como já disse a mesma coisa", declarou Joice.

A deputada relatou uma conversa que teve com Bolsonaro. "Eu disse ao presidente: Me ajude a te ajudar". Queixou-se da instalação de um "puxadinho familiar no Palácio do Planalto". Criticou a filhocracia. "Isso não é bom pra ninguém. Nunca houve tanta interferência de família dentro de um poder. Nem na época do Sarney. Isso é perigoso para o país".

Na opinião de Joice, os filhos de Bolsonaro deveriam abdicar das redes sociais, dedicando-se exclusivamente ao exercício dos seus respectivos mandatos. No caso de Flávio Bolsonaro, acha que ele deveria se licenciar do mandato de senador, para se defender das acusações que lhe são dirigidas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.

Quanto ao patriarca do clã, Joice avalia que ele "precisa entender que não é mais deputado. É o presidente de todo mundo, inclusive de quem não votou nele. É o presidente de quem votou no [petista Fernando] Haddad, de quem não votou em ninguém, de quem não foi às urnas. Ele é o presidente de todos."

Joice acrescentou: "Quero que o nosso presidente se comporte como um grande estadista, não que passe as horas dele ligando para deputados e dizendo: 'Olha, assina aqui a listinha do meu filho [Eduardo]' Não dá!"

Alvejada pela milícia virtual pró-Bolsonaro, a deputada atribuiu os ataques aos filhos do presidente. Insinuou que sabe o que o bolsonarismo fez nas redes sociais no verão passado. Colocou-se à disposição da CPI das Fake News.

Noutro trecho da entrevista, Joice declarou que o ministro Marcelo Álvaro Antônio (Turismo), denunciado no caso do laranjal do PSL mineiro, já deveria estar fora do governo. E afirmou que gostaria de ver Bolsonaro brigando pela aprovação do pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça) com a mesma tenacidade que exibiu ao pedir a deputados do PSL que assinassem listas de apoio ao filho Eduardo Bolsonaro na guerra pela liderança do partido na Câmara.

Joice soou na entrevista mais corrosiva do que a própria oposição. Mas parece considerar que foi afastada do posto de líder do governo não porque esteja contra o presidente. Ele é que, ao ficar contra si mesmo, acabou fazendo oposição a uma líder governista dedicada e fiel.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.