STF gosta de falar, mas tem de aprender a ouvir
Abriu-se no julgamento do Supremo sobre a prisão na segunda instância, nesta quarta-feira, uma janela para que o decano da corte, Celso de Mello, acenasse para a rua. Numa manifestação feita à margem dos autos, a pretexto de festejar os dez anos da posse do colega Dias Toffoli, o ministro mais antigo da Suprema Corte despejou diante das lentes da TV Justiça palavras que soaram como uma bronca no pedaço da opinião pública que pressiona pela manutenção da regra que permite prender condenados na segunda instância.
É curioso notar o encadeamento da retórica de Celso de Mello. Ele falou de "espectros", um outro nome para assombrações. Mencionou "surtos autoritários", "manifestações de grave intolerância que dividem a sociedade". Citou "delinquentes" que vivem "no submundo digital". Insinuou que essa gente que ele não identifica tem um projeto de poder que ameaça "a República democrática e laica". Depois, disse que o Supremo, a despeito das pressões, não deixará de cumprir o seu papel constitucional.
O ministro precisa dar nome às suas assombrações. Uma coisa é a delinquência, outra bem diferente é o sacrossanto direito à livre manifestação. Se há delinquentes rondando o Supremo, que sejam abertos os inquéritos, com a participação do Ministério Público. Se o que chega ao Supremo são mensagens com críticas à possibilidade de recuo na regra que permitiu o encarceramento da delinquência com pedigree, os ministros que abram os olhos. Que abram, sobretudo, os ouvidos.
O Supremo gosta muito de falar. Mas precisa começar a aprender a ouvir. As punições do mensalão e do petrolão fizeram brotar na alma dos brasileiros uma espécie de mania de justiça, um sentimento civilizatório. Para satisfazer esse sentimento, a Justiça precisa levar às últimas consequências o princípio segundo o qual todos são iguais perante a lei. E esse princípio não estará assegurado se for restabelecido o ambiente em que, acima de um certo nível de renda e poder, ninguém será punido no Brasil.
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