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Josias de Souza

Vídeo indica que os Bolsonaro temem isolamento

Josias de Souza

28/10/2019 19h31

Antigamente, quando um presidente precário deixava o país, dizia-se que a crise viajava para o exterior. Hoje, Jair Bolsonaro leva junto as redes sociais. E deixa no Brasil o filho Carluxo, que ajuda a manter os perfis eletrônicos do pai abastecidos com uma cota diária de tolices. A penúltima asneira foi a postagem de um vídeo que simplifica a guerra do bem contra o mal em que Bolsonaro se imagina metido.

A peça associa a figura do presidente da República à de um leão, cercado por hienas enraivecidas, que seriam os inimigos do rei. No final, há um chamamento dirigido aos "conservadores patriotas". Diz o seguinte: "Vamos apoiar o nosso presidente até o fim, e não atacá-lo. Já tem a oposição pra fazer isso!".

Mal comparando, o apelo aos conservadores para que se mantenham ao lado do presidente é algo muito parecido com uma versão eletrônica do pedido feito por Fernando Collor quando o chão de sua Presidência parecia fugir-lhe dos pés: "Não me deixem só!". Talvez por essa razão o vídeo foi retirado das redes sociais de Bolsonaro. Ou o presidente se arrependeu da postagem ou puxou a orelha de Carluxo.

A simplificação esquemática exposta no vídeo revela que Bolsonaro meteu-se num círculo viciado que apequena sua Presidência. É como se o capitão e seus devotos reconhecessem o risco de isolamento. Para adular o bolsonarismo, adotou-se desde o início do governo um linguajar que afugentou o eleitor antipetista de centro. Com a popularidade em queda, Bolsonaro exacerbou o discurso. Condenou-se a dialogar com um terço do eleitorado que ainda o tolera incondicionalmente.

Bolsonaro não soube aproveitar um fenômeno da eleição. Virou presidente numa campanha em que o voto das pessoas que pensam como ele foi anabolizado pelo pedaço do eleitorado que não suportava a ideia de devolver o PT ao poder. Começou a encolher já no dia da posse. Podendo pregar a união nacional, preferiu atiçar a polarização. Discursando no parlatório do Planalto, disse que "o povo começou a se libertar do socialismo". Não se deu conta de que a União Soviética acabou faz 28 anos.

Além de não unir o país, Bolsonaro passou a guerrear com seu próprio grupo. Afastou auxiliares sensatos, criou problemas para o pedaço do governo que tenta mostrar resultados, colocou fogo no circo do PSL. O vídeo reproduzido e depois retirado das redes sociais convoca os patriotas conservadores a saírem em defesa do presidente a partir de uma premissa falsa: a suposição de que os partidos de oposição, a mídia, o STF, a OAB e outros inimigos imaginários constituem uma forte ameaça. Bobagem. Em matéria de oposição, ninguém consegue superar Bolsonaro. O capitão se opõe a si mesmo com uma maestria que nenhum oposicionista consegue igualar.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.