Livre, Lula continua preso a uma retórica cínica
Libertado pelo Supremo Tribunal Federal após um ano e sete meses de encarceramento, Lula revelou-se um orador prisioneiro da retórica cínica. Ao sair da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, reencontrou-se com o microfone. Pronunciou um discurso de porta de cadeia (íntegra disponível no rodapé). Nele, disse ter visto na TV "os dados do IBGE". Referia-se ao relatório que mostrou que 13,5 milhões de brasileiros vivem na extrema pobreza, com menos de R$ 145 por mês.
"Depois que eu fui preso, depois que eles roubaram do [Fernando] Haddad, o Brasil não melhorou, o Brasil piorou", declarou a divindade petista a uma plateia de devotos. "O povo tá passando mais fome, o povo tá desempregado, o povo não tá com trabalho de carteira assinada. O povo tá trabalhando de Uber, o povo tá trabalhando de entrega de pizza, o povo tá trabalhando sem o menor respeito".
Lula esqueceu de lembrar —ou lembrou de esquecer— que os dados do IBGE referem-se ao ano de 2018. Nada a ver, portanto, com o governo de Jair Bolsonaro, o rival que ele acusa de ter prevalecido nas urnas fraudando a disputa com o seu pupilo Haddad. O perigo de dizer meias verdades é o orador privilegiar exatamente a metade que é mentirosa.
O divo petista se absteve de mencionar, por exemplo, um dado fornecido pelo IBGE: a legião dos extremamente pobres cresce desde 2014, ano em que Dilma Rousseff mergulhou a economia brasileira no caos. Entre 2013 e 2016, quando a "gerentona" de Lula dava as cartas no Planalto, a economia encolheu notáveis 6,8%. Graças ao governo empregocida de Dilma, a taxa de desemprego saltou de 6,4% para 11,2%. Foram ao olho da rua algo como 12 milhões de trabalhadores.
Em 2014, quando Lula carregou Dilma nos ombros para um segundo mandato, apenas dois empreendimentos prosperavam no Brasil: a corrupção e a incompetência governamental. Os dois fenômenos compõem a obra de Lula, pois foi nos governos dele que nasceram o mensalão e o petrolão. Foi de sua autoria também a fábula baseada na superstição de que Dilma seria uma administradora de mostruário.
Noutro trecho do seu discurso, Lula atacou os algozes Sergio Moro e Deltan Dallagnol. Queixou-se da "canalhice que o lado podre do Estado brasileiro fez comigo e com a sociedade brasileira. O lado podre da Justiça, o lado podre do Ministério Público, o lado podre da Polícia Federal, o lado podre da Receita Federal. Armaram, trabalharam para tentar criminalizar a esquerda, o PT e o Lula."
De fato, houve uma criminalização de pedaços da política. Mas quem criminalizou a atividade foram os políticos criminosos. Plantaram bananeira dentro dos cofres públicos hipotéticos esquerdistas do PT e seus sócios direitistas de legendas como MDB e PP. Nada a ver, portanto, com ideologia, esquerdismo ou direitismo. O caso é de dinheirismo. E o dinheiro é público.
Na Lava Jato, houve devoluções e confiscos na casa dos bilhões. As cifras são evidências monetárias do estágio de decomposição a que chegou o Estado brasileiro na era petista.
Tomado pelo discurso de porta de cadeia, Lula sinaliza que não aprendeu nada durante os 580 dias de reclusão. Mantendo a toada, o líder máximo do petismo vai acabar convencendo a plateia de que o caso do PT já não é de autocrítica, mas de autópsia.
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