No processo do sítio, honestidade de Lula é ficção
Lula é o político mais honesto que Lula conhece. Entretanto, no processo sobre o sítio de Atibaia, que será analisado nesta quarta-feira no TRF-4, a honestidade de Lula é uma ficção. As evidências de culpa saltam das páginas do processo como pulgas no dorso de um vira-lata.
Interrogado há um ano, Lula potencializou as acusações. Protagonista nato, líder desde a primeira mamada, ele se revelou um pobre-diabo indefeso.
Lula alegou ter tomado conhecimento das obras no sítio por meio do noticiário. Perguntaram-lhe por que não cogitou procurar os executores da obra —Odebrecht, OAS e o pecuarista companheiro José Carlos Bumlai— para realizar o pagamento.
E Lula: "A chácara não é minha. As obras não foram feitas pra mim. Portanto, eu não tinha que pagar, porque achei que o dono do sítio tinha pago".
Recordou-se a Lula que Fernando Bittar, o suposto proprietário, dissera em depoimento que não levara a mão ao bolso por imaginar que Lula e sua mulher Marisa Letícia, como beneficiários, pagariam pelos confortos, orçados em R$ 1,02 milhão.
Instado a se explicar, Lula tergiversou: "Ele fala e você quer que eu explique? […] Se ele falou que não pagou, achando que a Marisa tinha pago, eu não tenho mais como perguntar (a ex-primeira-dama Marisa Letícia morreu em fevereiro do ano passado)."
A versão de Lula, por inacreditável, seria refugada até como roteiro de telenovela. Nela, a família Lula da Silva se apropria de sítio alheio.
Duas das maiores empreiteiras do país reformam a propriedade. Confessam ter bancado a obra com verbas sujas, em retribuição a facilidades obtidas nos governos petistas.
O escândalo ganha o noticiário. Vira assunto nas esquinas e nos botecos. Mas Lula, beneficiário dos mimos, jura que nunca conversou sobre o tema.
Viva, Marisa Letícia foi pendurada nas manchetes como responsável pelos primeiros pedidos de reforma do sítio. Entretanto, Lula assegura que não conversou sobre a encrenca nem na alcova.
Tampouco ocorreu a Lula perguntar para Bumlai, o pecuarista companheiro, quem pagou pelas obras.
Jamais tratou do assunto com Bittar, o hipotético proprietário do sítio. "Não sou daquele tipo de cidadão que entra na casa dos outros e vai abrindo a geladeira. O cara tem a propriedade, o cara me empresta a propriedade. Eu vou ficar perguntando: 'O que foi que você fez?."
Lula declarou também no seu depoimento que não lhe passou pela cabeça tocar o telefone para o amigo Emílio Odebrecht. "Por que eu tinha que falar com o Emílio?"
Quanto a Léo Pinheiro, da OAS, Lula declarou-se espantado não com a generosidade, mas com a incúria do amigo:
"O que eu acho grave, que você deveria perguntar, é porque o Léo não cobrou!", disse Lula no interrogatório. "Porque o Léo não cobrou?"
O procurador que inquiria Lula refrigerou-lhe a memória. Léo Pinheiro se abstivera de apresentar a fatura porque já se considerava ressarcido com o dinheiro sujo que amealhara nos contratos fraudulentos firmados com a Petrobras.
Lula cobrou a exibição de provas que atestassem que ele seria o proprietário do sítio. Foi informado de que, neste processo, a questão da propriedade do imóvel não é crucial.
O que está em causa é a corrupção e a lavagem de dinheiro estampadas nas obras feitas em seu benefício com dinheiro saqueado da estatal petroleira.
Os autos registram que Lula não se deu por achado: "Eu vim aqui pensando que vocês iam me desmoralizar, pegar uma escritura, mostrar que eu paguei, que eu recebi (a escritura do sítio). Vocês não fizeram nada disso".
No ápice do interrogatório, um procurador aplicou em Lula algo muito parecido com um xeque-mate:
"No caso do tríplex, o senhor alegava que as obras de melhorias do apartamento não foram para o senhor sob o argumento de que o senhor nem ia lá. Agora, o senhor constantemente estava no sítio, mantinha lá bens pessoais de toda ordem e os empresários alegam que a obra era para o senhor. Qual é a explicação que o senhor tem para isso, senhor ex-presidente?"
Nesse ponto, Lula tentou desconversar. Seu advogado, Cristiano Zanin, interveio. Houve um princípio de barraco. Lula cavou um intervalo. Pediu para ir ao banheiro.
Na volta, Lula ouviu o procurador repetir a mesma pergunta. A flacidez da resposta potencializou a impressão de que a divindade petista estava mesmo indefesa.
"Eu vou dar a explicação. Primeiro do tríplex: o tríplex não era, não é e não será (meu). A história vai mostrar o que aconteceu nesse processo. Segundo, o sítio: Eu vou lá porque o dono do sítio me autorizou a ir lá. Tá? Que bens pessoais que eu tinha no sítio? Cueca, roupa de dormir, isso eu tenho em qualquer lugar que eu vou. E nenhum empresário pode afirmar que o sítio é meu se ele não for meu."
"Mas eles afirmaram que fizeram obras para o senhor", insistiu o procurador. Lula perdeu a linha: "Ah, meu Deus do céu, sem eu pedir. Você não acha muito engraçado alguém fazer uma obra que eu não pedi? E depois alguém negociar uma delação sob a pressão de que é preciso citar o Lula. E vocês colocam isso como se fosse uma verdade! …Eu repudio qualquer tentativa de qualquer pessoa dizer que foi feita uma obra para mim naquele sítio. Porque se o Fernando Bittar amanhã vender o sítio…"
E o procurador: "O senhor pode alegar que não pediu. Mas o crime de corrupção tem a modalidade receber."
É possível que os desembargadores do TRF-4 não confirmem nesta quarta-feira a condenação imposta a Lula na primeira instância. Não por falta de provas, mas por excesso de condescendência.
Numa das pauladas que desferiu contra a Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal deliberou que, nos processos com réus delatores, os delatados deveriam falar por último nos autos.
Submetidos à novidade, os desembargadores podem optar por devolver o processo à 13ª Vara Federal de Curitiba, para que seja refeita a fase processual das alegações finais.
Há ainda a hipótese de o TRF-4 anular a sentença que condenou Lula a 12 anos e 11 meses de cadeia em função de sua autora, a juíza Gabriela Hardt, ter copiado e colado trechos do veredicto proferido por Sergio Moro no caso do tríplex.
A doutora chegou mesmo a chamar o sítio de "apartamento". Na hipótese de anulação, o processo terá de ser refeito do zero, não a partir da fase das alegações finais.
Seja qual for a decisão, não há como apagar as evidências. A honestidade de Lula continuará frequentando o processo como uma qualidade fictícia.
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