MEC anuncia 633 creches, mas só entrega 221
Josias de Souza
04/03/2012 03h46
Ou seja: além de anunciar a entrega de creches que não estão 100% prontas, o programa caminha a passos de tartaruga manca. Do total de 4.035 obras contratadas, apenas 4,99% foram realmente concluídas. Algo que acomoda no alto do telhado a promessa de Dilma Rousseff de abrir 6 mil novas creches nos seus quatro anos de mandato.
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Deve-se a revelação dos dados aos repórteres Demétrio Weber e Cássio Bruno. A dupla conta que a discrepância entre a propaganda oficial e a realidade decorre de um malabarismo estatístico. O MEC inclui no rol das obras concluídas aquelas com mais de 80% do cronograma executado.
Por quê? Considera-se que, nesse estágio, as creches e pré-escolas já podem receber matrículas e funcionar. Na prática, da-se coisa diferente. Os repórteres visitaram, por exemplo, uma creche da cidade de Anápolis, em Goiás. Para o MEC, está 80,12% pronta. Poderia, portanto, funcionar.
Na semana passada, havia no local 25 operários, não crianças. Os pisos interno e externo estão por assentar. A pintura está por concluir. Falta assenter a caixa d'água. Defronte do prédio, há uma placa com a logomarca do governo federal. Nela, lê-se o ano em que foi firmado o convênio (2009), o valor da obra (R$ 1,19 milhão) e a data de entrega da obra (3 de novembro de 2011). Já lá se vão quatro meses de atraso.
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Em 18 de janeiro, Dilma Rousseff esteve no município de Andra dos Reis, na região serrana do Rio. Ao lado do governador Sérgio Cabral (PMDB) e do então ministro e quase candidato Fernando Haddad, a presidente "inagurou" uma creche. A pompa do evento tropeçou nas circunstâncias. A creche jamais funcionou. Hoje, atende provisoriamente a alunos de uma escola que está sendo reformada.
Pelas contas do MEC, há no Brasil um déficit de 19.766 creches e pré-escolas. O IBGE contabilizava em 2010 9,5 milhões de crianças de até cinco anos desatendidas. O ProInfancia prevê investimentos de R$ 7,6 bilhões até 2014, último ano do mandato de Dilma. Quem vê a cifra se impressiona. Quem repara no andamento do programa é assaltado pelo desânimo. Onde a coisa já funciona, a impressão é boa.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.