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Líder tucano: ‘A CPI vai para lá do fim do mundo’

Josias de Souza

13/04/2012 04h50

Líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR) está convencido de que o governo e seus apoiadores no Congresso associaram-se ao imponderável ao concordar com a instalação da CPI do Cachoeira. Ele compara a nova comissão parlamentar de inquérito com uma antiga dor de cabeça do governo Lula: a CPI dos Bingos.

"Se aquela era chamada de CPI do fim do mundo, essa será a CPI para lá do fim do mundo", diz Alvaro. O senador escora seu vaticínio no conteúdo do requerimento de convocação da comissão a ser instalada nos próximos dias. A oposição não obteve tudo o que desejava, mas logrou ampliar o objeto da apuração.

Incluiu-se no texto (disponível aqui) a expressão "agentes públicos e privados". Significa dizer: partindo dos dois inquéritos que envolvem Carlinhos Cachoeira –Vegas e Monte Carlo— os 30 congressistas que integrarão a CPI poderão levar sua curiosidade aos gabinetes governamentais e aos escritórios de empresas.

Sob a genérica denominação de "agentes públicos" enquadram-se servidores e autoridades dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), nas três esferas da federação (municípios, Estados e União). Sob o guardachuva de "agentes privados" cabem todas as empresas privadas –da construtora Delta, alvo da oposição e fonte de preocupação do Planalto, a qualquer outra.

A nova CPI liga-se à anterior por um outro ponto de contato. Hoje, como ontem, a investigação tem origem em trampolinagens que envolvem Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. O personagem tornou-se nacionalmente conhecido em fevereiro de 2004, no alvorecer do segundo ano do primeiro reinado de Lula.

Naquele mês, foi às manchetes um vídeo estrelado por Cachoeira e coadjuvado por Waldomiro Diniz, um obscuro assessor de José Dirceu, o mais importante ministro de Lula, chefe da Casa Civil. Na peça, gravada em julho de 2002, Waldomiro, então presidente da Loterj (autarquia lotérica do Rio) aparece achacando Cachoeira.

Convertido no primeiro grande escândalo da Era Lula, o caso mobilizou o Planalto e seus adversários. O governo segurou as pontas por 16 meses. Sucumbiu depois que estourou um escândalo maior: o mensalão. Nas pegadas da entrevista-bomba de Roberto Jefferson, nasceu, em junho de 2005, a CPI dos Bingos.

Nesse ponto, cessam as semelhanças. O Cachoeira anterior autofilmara-se numa conveniente produção independente. Posava de denunciante. O Cachoeira atual, grampeado pela Polícia Federal, revelou-se delinquente pluripartidário. E virou hóspede do presídio federal de Mossoró (RN).

Em vez de Waldomiro, um petista de segunda linha, foi à correnteza Demóstenes Torres, uma das mais reluzentes estrelas da oposição. Junto com ele, os grampos levam água às salas de dois governos –Marconi Perillo (PSDB), de Goiás, e Agnelo Queiroz (PT), do DF— e encharcam os mandatos de pelo menos cinco deputados federais –do PT ao PSDB, passando por PP, PTB e PPS.

Surgida no instante em que o STF prepara-se para julgar a quadrilha do mensalão, a perspectiva de vingança fez salivar o petismo. Consultado, o Planalto não se opôs à CPI. E o PT, empurrado por sua direção nacional, puxou o coro que levou todo o condomínio governista a mergulhar na onda que ninguém sabe ao certo que ressacas vai produzir e em que praias vai quebrar.

Depois de lavar as mãos, Dilma e seus operadores políticos transbordam em preocupação. Tenta-se cuidar para que o vaticínio de Alvaro Dias não vire realidade. De saída, procuram-se congressistas confiáveis para desempenhar os papéis de presidente e, sobretudo, de relator da nova CPI.

Em 2005, presidiu o 'fim do mundo' o ex-senador Efraim Morais (DEM-PB), um oposicionista truculento. O relator do Apocalipse foi o senador licenciado Garibaldi Alves (PMDB-RN), à época um governista flácido, hoje ministro da Previdência. Escaldado, o condomínio pró-Dilma acautela-se.

Para tentar fugir do cenário pós-apocalíptico, decidiu-se que, dessa vez, a oposição não terá assento no comando da comissão. Para a presidência, vai um senador do PMDB. Para a relatoria, um deputado do PT. O Planalto deseja avalizar os nomes. De resto, avalia-se que a oposição terá dificuldades para repetir o passado. Além fazer parte do novo escândalo, a turma do contra vai à CPI em minoria.

Em 2005, com meia dúzia de suspeitas, os rivais do governo levaram José Dirceu à vitrine, arrastaram Gilberto Carvalho para falar do assassinato de Celso Daniel e enfiaram a violação do sigilo bancário de um caseiro na biografia de Antonio Palocci. E ainda sobrou material para azucrinar Lula com reinquirições de Delúbio Soares e Marcos Valério, personagens de outra CPI, a dos Correios.

Agora, a tropa da situação desce ao front em condições de trocar trocar chumbo. Um Agnelo por um Perilo. Um Waldomiro por um Demóstenes. Três deputados governistas por dois oposicionistas. Resta saber até que ponto o Planalto está disposto a deixar o melado escorrer. Planeja-se, por exemplo, evitar que a coisa chegue ao PAC, um programa que tem a Delta como grande tocadora de obras.

Tenta-se também conter o apetite de parte do PT em relação à imprensa, especialmente à revista Veja. Auxiliares de Dilma acham equivocada a estratégia de remoer o passado, apresentando Cachoeira e sua máquina de arapongagem como fontes de reportagens molestas. O diabo é que as CPIs, por imprevisíveis, nem sempre oferecem ambiente seguro.

Ouça-se, a propósito, o que disse ao repórter, na noite passada, um observador do PMDB, membro do grupo do vice-presidente Michel Temer: "O governo brinca com fogo. Quem garante que, amanhã, aliados insatisfeitos com Dilma não vão se juntar à oposição para aprovar na CPI requerimentos indigestos?" Um ex-ministro de FHC recorda frase que diz ter ouvido do ex-presidente tucano: "Não existe CPI a favor."

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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