Lula exige do PT que faça da ‘Veja’ alvo na CPI
Josias de Souza
27/04/2012 05h21
Depois de insuflar no PT o ânimo que levou o partido a aderir à CPI do Cachoeira, Lula opera para direcionar a ação do petismo na investigação iniciada nesta semana. Sua principal obsessão é a de converter a 'Veja' em alvo.
Lula cobra de congressistas e dirigentes do PT que levem a revista à alça de mira. Declara-se convencido de que a publicação associou-se ao aparato de espionagem de Carlinhos Cachoeira para produzir reportagens contra o governo dele.
Cita, entre outras passagens, a filmagem que pilhou um funcionário dos Correios recebendo propina e levou Roberto Jefferson (PTB-RJ) a denunciar a existência do mensalão, cujo processo o STF está prestes a julgar.
O diálogo veio à luz apenas em versão impressa. Demóstenes e Gilmar confirmaram o conteúdo. Mas o áudio jamais apareceu. Agora, Lula instila a suspeita de que é "a turma do Cachoeira" que está por trás da trama, não a Abin.
Nesta semana, Lula discutiu o assunto em reuniões com pelo menos duas lideranças do PT. Falou de 'Veja' como uma ideia fixa. Mesmo sem dispor de provas, disse não "engolir" a versão segundo a qual a revista serviu-se de Cachoeira e seus espiões apenas como fontes de informações.
Na versão do ex-soberano, 'Veja' teria ultrapassado as fronteiras da ética jornalística, ajudando a preparar as ações de espionagem. Uma versão que a revista já negou e que os grampos da Operação Monte Carlo veiculados até aqui desautorizaram.
No diálogo, diferentemente do que sustenta Lula, o jornalista que chefia a sucursal de 'Veja' em Brasília, Policarpo Júnior, é citado como personagem no qual a quadrilha não pode confiar. Recorde-se, por eloquente, um trecho:
– Cachoeira – O Policarpo, você conhece muito bem ele. Ele não faz favor pra ninguém e muito menos pra você. Não se iluda, não […] Os grandes furos do Policarpo fomos nós que demos, rapaz […] Ele não vai fazer nada procê.
– Jairo – É, não, isso é verdade aí.
– Cachoeira – Limpando esse Brasil, rapaz, fazendo um bem do caralho por Brasil, essa corrupção aí. Quantos já foram, rapaz? E tudo via Policarpo. Agora, não é bom você falar isso com o Policarpo, não, sabe? Você tem que afastar dele e a barriga dele doer, sabe? Tem que ter a troca, ô Jairo. Nunca cobramos a troca.
– Jairo – Isso é verdade.
Cachoeira – E fala pra ele […]: eu ganho algum centavo seu, Policarpo? Não ganho. […] Nós temos de ter jornalista na mão, ô Jairo! Nós temos que ter jornalista. O Policarpo nunca vai ser nosso…
Jairo – É, não tem não, não tem não. Ele não tem mesmo não. Ele é foda!
Nesta quinta (26), os congressistas que representam o PT na CPI reuniram-se com a bancada de deputados do partido. Debateu-se no encontro a estratégia a ser seguida pelo petismo.
Concluiu-se o óbvio: no caso de 'Veja' e dos outros alvos do PT, a conversão dos desejos em prática depende da existência de provas –indícios pelo menos— que justifiquem a ação partidária na CPI.
Optou-se por priorizar a análise dos volumes e dos CDs colecionados pela Polícia Federal nas duas operações abertas contra Cachoeira e sua quadrilha: Vegas, concluída em 2009, e Monte Carlos, de 2012. Requisitados na quarta (25), os autos ainda não chegaram à CPI.
O partido de Lula acusa Gurgel de ter retardado deliberadamente a parte da investigação que envolveu Demóstenes Torres. O petismo escora a acusação num fato, do qual extrai ilações que levam à suspeição.
O fato: O inquérito da Operação Vegas, a primeira aberta contra Cachoeira, chegou à Procuradoria-Geral da República em 2009. Iniciada em Goiás, a investigação subiu a Brasília porque a voz de Demóstenes começou a soar nos grampos.
Gurgel tinha duas providências a adotar: ou considerava o inquérito frágil e o mandava ao arquivo ou enxergava consistência no papelório e requisitava a abertura de investigação contra Demóstenes no STF.
Não ocorreu nem uma coisa nem outra. O caso Vegas dormitou nas gavetas da Procuradoria por arrastados três anos. Gurgel só levou Demóstenes à grelha do Supremo no mês passado, quando o envolvimento do senador com Cachoeira já se encontrava pendurado nas manchetes.
As ilações: os petistas difundem a suspeita de que a inação de Gurgel atendeu a interesses alheios às suas atribuições de chefe do Ministério Público Federal. O céu é o limite das insinuações que fazem ferver o partido.
Oficialmente, Gurgel já informou que reteve a Operação Vegas à espera da conclusão da segunda operação da PF, a Monte Carlo. Munido de informações que dizem ter recolhido no governo, os petistas descrêem.
Sustentam que ocorreu o contrário: a segunda investigação teria sido aberta pela PF em reação ao engavetamento da primeira. Nessa versão, Gurgel só agiu depois que os grampos, vazados em catadupas, tornaram o pedido de providências ao STF incontornável.
O advogado Antonio Carlos de Almeida 'Kakay' Castro, defensor de Demóstenes, desenvolve um raciocínio que distancia Gurgel das teorias conspiratórias do PT. Avalia que o procurador-geral demorou a acordar para a Operação Vegas por "desorganização" do Ministério Público.
Súbito, a informação de que a Operação Vegas acumulava pó na Procuradoria desde 2009 virou notícia. "No dia seguinte, o inquérito apareceu", diz Kakay. Um detalhe o leva a atribuir o sumiço à "desorganização": Gurgel não tinha razões para proteger Demóstenes. Ao contrário, o senador é desafeto do procurador-geral.
No ano passado, Gurgel mandara ao arquivo uma representação na qual senadores oposicionistas pediam que apurasse o enriquecimento do então ministro Antonio Palocci (Casa Civil), que multiplicara por cinco seu patrimônio prestando "consultorias".
Um dos signatários da petição, Demóstenes chamara Gurgel de covarde. Dissera que o procurador-geral protegera Palocci de olho na recondução ao cargo de procurador-geral, que seria confirmada por Dilma Rousseff. Assim, sustenta Kakay, a acusação de que Gurgel sentou sobre o processo para beneficiar Demóstenes não faz nexo.
Seja como for, o PT acha que Gurgel deve explicações. Na quarta (25), durante a sessão inaugural da CPI, o senador Fernando Collor (PTB-AL) propôs que fosse votado um requerimento de convocação de Gurgel.
O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) tentou convencer Collor a retirar o requerimento. Não que estivesse contra. Apenas achava que não era hora. Jilmar Tatto (SP), líder do PT, desaconselhou a votação. E o presidente da CPI, Vital do Rêgo (PMDB-PB), absteve-se de levar o requerimento a voto.
Antes de convocar, o PT deseja "convidar" Gurgel a comparecer à CPI. Se ele recusar o "convite", será convocado. A bancada do governo congrega 65% dos votos da CPI. Imagina-se que os não-petistas também desejarão ouvir Gurgel. A ver.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.