Gaspari: Sérgio Cabral quis ser chique, foi brega
Josias de Souza
02/05/2012 04h05
Certos endinheirados são ridículos vocacionais. Não conseguem usufruir da fortuna, por vezes circunstancial, com simplicidade, com naturalidade ou de maneira vagamente divertida. Em artigo levado às páginas desta quarta (2), o repórter Elio Gaspari analisa o fenômeno aplicado às incursões européias de Sérgio Cabral e sua caravana de assessores e amigos. Disponível aqui, o texto vai reproduzido abaixo:
Uma cena pode ser vista com o olhar do casal que está numa mesa ao fundo do salão do restaurante Luís XV, no Hotel de France, em Mônaco. ("Este é o melhor Alain Ducasse do mundo", diz Cabral, referindo-se ao chef.) Ela é uma senhora loura e veste um pretinho básico. A certa altura, ouve uma cantoria na mesa redonda onde há oito pessoas. Admita-se que ela entende português. O grupo comemora o aniversário de Adriana Ancelmo, a mulher de Cabral, e festeja o próximo casamento de Fernando Cavendish. Até aí, tudo bem, é vulgar puxar celulares no Luís XV e chega a ser brega filmar a cena, mas, afinal, é noite de festa. A certa altura, marcado o dia do casamento, Cabral decide dirigir a cena:
"Então, dá um beijo na boca, vocês dois."
Cavendish vai para seu momento Clark Gable e o governador diz à mulher do empreiteiro:
"Abre essa boca aí."
As cenas foram filmadas por dois celulares. Um deles era o do dono da Delta.
O álbum fecha com a fotografia de quatro senhoras gargalhantes, no meio da rua, mostrando as solas de seus stilettos (duas vermelhas). Exibem como troféus os calçados de Christian Louboutin. Nos pés de Victoria Beckam (38 anos) ou de Lady Gaga (26 anos), eles têm a sua graça, mas tornaram-se adereços que, por manjados, tangenciam a vulgaridade. Não é à toa que Louboutin desenhou os modelos das dançarinas (topless) do cabaré Crazy Horse.
Esse tipo de deslumbramento teve no governador um exemplo documentado, mas faz parte do primarismo dos novíssimos ricos do Brasil emergente. Noutra ponta dessa classe está o senador Demóstenes Torres, comprando cinco garrafas de vinho Cheval Blanc, safra de 1947: "Mete o pau aí. Para muitos é o melhor vinho do mundo, de todos os tempos (…). Passa o cartão do nosso amigo aí, depois a gente vê". O amigo do cartão era Carlinhos Cachoeira, que, por sua vez, também era amigo da empreiteira Delta, de Cavendish."
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.