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CPI do Cachoeira gira durante 9 horas ao redor de Marconi Perillo como um parafuso espanado

Josias de Souza

12/06/2012 21h32

"Quero agradecer a todos pela oportunidade que tive de honrar o meu Estado, o povo de Goiás, trazendo aqui os esclarecimentos que os goianos e os brasileiros esperavam. Nenhuma folha cai sem que seja da vontade de Deus. Não precisava estar aqui. Julgo ter cumprido o meu dever."

Com essas palavras, Marconi Perillo, o governador tucano de Goiás, encerrou o depoimento de quase nove horas prestado à CPI do Cachoeira nesta terça (12). Ouviu-se no plenário uma inusitada salva de palmas.

A CPI, como se sabe, ainda não logrou aproveitar suas oportunidades. Na inquirição de Perillo, os congressistas que integram a comissão inovaram. Tornaram-se a oportunidade que o governador goiano aproveitou.

Os inquiridores giraram em torno do depoente como parafusos espanados. Servindo-se da falta de rosca, Perillo safou-se sem passar grandes apertos. A convocação do governador, por prematura, revelou-se inútil.

Despejou-se sobre os microfones uma cachoeira de meias verdades. Perillo expôs a sua metade. Seus antagonistas, o PT à frente, desfiaram a outra metade, extraída dos indícios colecionados pela Polícia Federal na Operação Monte Carlo. E a plateia ficou sem saber qual das metades é a mentirosa.

Arrastado para a CPI como objeto de uma vingança pessoal de Lula, Perillo esboçou uma defesa análoga à que o ex-soberano petista utilizara no caso do mensalão. "Eu não sabia", disse o governador sempre que confrontado com dados que, em tese, poderiam comprometê-lo.

Não sabia que os três cheques que pagaram a casa que vendeu havam sido assinados por um sobrinho de Carlinhos Cachoeira. Não sabia que sua chefe de gabinete dispunha de um Nextel provido pelo bicheiro.

Não sabia que servidores graduados de sua administração relacionavam-se com a quadrilha. Não sabia nem mesmo que Carlinhos Cachoeira, um contraventor notório, explorava a jogatina ilegal em Goiás. Encontrou-o um par de vezes, mas como "empresário". Numa das vezes, avistou-o  num jantar na casa de Demóstenes Torres, então um personagem acima de qualquer suspeita.

A certa altura, o deputado Filipe Pereira (PSC-RJ) recordou ao governador que Cachoeira tornara-se nacionalmente conhecido em 2005, na CPI dos Bingos. Virara alvo depois da divulgação do vídeo em que apareceu pagando propina a Waldomiro Diniz na época em que o ex-assessor de José Dirceu presidia as loterias do Rio.

Perillo repetiu seu mantra: "Eu não sabia. Eu o conheci como empresário e o recebi como empresário. É claro que sobre assuntos dos quais eu não conheça, não posso dizer aqui outra coisa. O que eu conheço, eu falo tudo."

O deputado tratou Perillo como um político de dois gumes. Atilado na hora de descobrir a existência do mensalão, não fora capaz de enxergar em Cachoeira a figura de um contraventor.

"O foco dessa CPI não é o mensalão", reagiu o governador. "O foco do mensalão é outro. Eu não vou, em hipótese alguma, voltar a esse tema. O que foi dito foi na época. Não guardo rancor de ninguém. Cumpri meu papel na época."

Perillo argumentou que não precisou de muito esforço para farejar o mensalão antes que o caso ganhasse as manchetes. "Uma das deputadas que supostamente estava sendo tentada à cooptação me avisou e, em uma das visitas de Lula a Goiás, eu avisei ao presidente."

Confrontado pelo relator petista Odair Cunha com o teor radiotivo dos grampos captados pela PF, Perillo dispensou às escutas um tratamento contraditório. Tachou de inverídicos os diálogos em que os membros da quadrilha de Cachoeira soaram como se tivessem influência no governo goiano. Porém…

Invocou uma das conversas gravadas pela PF como evidência de que sua administração combate a jogatina. Leu a transcrição de diálogo no qual Cachoeira queixa-se dos prejuízos que vinha arrostando. Uma prova, segundo Perillo, de que o bicheiro sentira o golpe das mais de 2.700 apreensões de máquinas caça-níqueis.

E quanto à cooptação dos policiais que protegiam o bando de Cachoeira e reprimiam os concorrentes? Para Perillo, nada de anormal. Realçou que Goiás dispõem de algo como 15 mil policiais civis e militares. Desses, "apenas 34" foram cooptados pela quadrilha, declarou, sem ser contestado.

Reconheceu ter tocado o telefone para Cachoeira uma vez. "Foi em razão de seu aniversário, após sugestão de um amigo. E se trata de um hábito meu ligar para cumprimentar as pessoas pelo aniversário. Eu não estava ligando para um contraventor, mas para um empresário."

Enfatizou: em mais de 30 mil horas de grampos, colecionados pela PF ao longo de três anos de investigação, sua voz foi ouvida uma mísera vez. "Ora, se eu mantivesse qualquer relação [com Cachoeira], seria natural que ele tivesse ligado para mim em muitas ocasiões."

Repisou: "Reafirmo que nunca mantive nenhuma relação de proximidade com o empresário Carlinhos Cachoeira, embora fosse ele de livre trânsito entre os políticos, com a sociedade e a elite, porque é uma pessoa rica, morava no melhor edifício de Goiânia e transitava pelos melhores restaurantes da cidade."

Sobre a venda da casa, Perillo disse que não há outra versão além da verdadeira. Anunciou a venda do imóvel. O ex-vereador tucano Waldimir Garcez, seu conhecido de duas décadas, manifestou o desejo de comprar. Tomou um empréstimo e lhe repassou três cheques pré-datados. Na data combinada, depositou-os em sua conta. Ponto.

Depois, sob a alegação de que não conseguira pagar o empréstimo, Wladimir informou que repassaria a casa adiante. Revendeu-a ao empresário Walter Paulo. O novo comprador pediu a presença de um preposto do governador para certificar-se de que a transação seria escriturada.

Segundo Perillo, Garcez fez-se acompanhar, então, do assessor Lúcio Fiúza. O empresário pagou em dinheiro. A grana foi para Garcez, não para ele, que já havia recebido os três cheques. A escritura foi lavrada em cartório. E ponto final.

Na sua vez de inquirir Perillo, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) contraditou-o. O governador entregou à CPI cópias dos três cheques que recebera pela casa. Assinados por Leonardo Ramos, o sobrinho de Cachoeira, os cheques são de uma empresa chamada Excitant Confecção. Na época em que foram compensados, a Exitant recebeu repasses da Alberto&Pantoja Construções, empresa de fachada da quadrilha.

"Não há crime nisso. Mas, convenhamos, não é comum", ironizou Miro. "Nesse dia em que o cheque foi compensado, chega dinheiro da Delta para a Pantoja e, da Pantoja, vai para a Exitant em valores que batem, razoavelmente, com a compensação [de um dos cheques repassados a Perillo]."

Miro voltou à ironia: "O governador não sabe disso, precisa ser informado. Não sabe que a escritura não foi lavrada em nome da Exitant, não sabe que o documento não foi lavrado em cartório de Goiânia. Não sabe, afinal de contas, a quem pertence a casa que vendeu."

E Perillo, como que pressentindo aonde o inquiridor queria chegar: "Não a vendi ao senhor Carlos Cachoeira. Quem me procurou para comprá-la foi Waldimir Garcez. Se os cheques foram providos por empresa ligada à Delta ou ao Cachoeira ele é que é responsável. A casa foi transferida ao sr. Walter Paulo."

O governador repetiu inúmeras vezes que o próprio Garcez confirmara tal versão ao depor na CPI. De novo, ajustou suas meias verdades conforme a conveniência. Em relação à casa, pediu aos membros da CPI que dêem crédito irrestrito ao que ouviram de Garcez. Mas tachou de inverídicos os grampos em que o mesmo Garcez vendeu a Cachoeira e Cia. um prestígio capaz de abrir a maçaneta do gabinete de Perillo. "Não posso me responsabilizar pelo que dizem os outros."

Perillo desqualificou também a acusação do jornalista Carlos Bordoni. Responsável pelos programas radiofônicos da campanha do governador em 2010, ele diz ter recebido parte da remuneração –R$ 45 mil— num cheque da Alberto&Pantoja, a empresa de fancaria da quadrilha de Cachoeira. Mentira, disse o governador. O tucano informou ter processado o ex-colaborador por injúria, calúnia e difamação. E ficou nisso.

Incomodado com o fracasso da tática que o PT montara para emparedar Perillo, o relator Odair Cunha foi ao microfone para reinquirir o depoente. A certa altura, perguntou ao governador se concordava em abrir expontaneamente os sigilos dos seus telefonemas e das mensagens de MSN. Os tucanos da CPI saltaram da cadeira. Deu-se um rififi. Odair chamou Perillo de "investigado". O plenário pegou fogo (repare no vídeo abaixo).

Perillo refugou o pedido de Odair. Disse que cabe à CPI, se achar que o caso, quebrar os seus sigilos. Uma das últimas vozes a se manifestar na sessão, a senadora Kátia Abreu (PSD-TO) conciliou-se com o óbvio: "Ninguém virá aqui para dizer coisas que conta si." Fez uma sugestão sensata: a divisão da CPI em três subcomissões, de modo a agilizar o mergulho nos inquéritos, sobretudo nos dados referentes à Delta.

O tucanato soltou fogos. O líder Alvaro Dias (PR) declarou que, ante as explicações "cabais" de Perillo, espera que a CPI vire a página de Goiás e passe a concentrar-se nos contratos milionários da Delta, campeã de obras do PAC. O colega Cássio Cunha Lima (PB), para desassossego do petismo, resumiu a cena: "A montanha pariu um rato."

Até o governista Silvio Costa (PTB-PE) rendeu-se a Perillo. Menos pelas respostas que pelas indagações. "Estou envergonhado com o nível das perguntas feitas aqui", disse o deputado. Lamentou que o governador tivesse comparecido à CPI antes da hora. "Eu defendia que fosse lá para agosto." Cumprimentou o depoente: "Governador, o senhor sai daqui maior do que entrou." Como se vê, falta rosca à CPI.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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