Topo

Membros da CPI encontram Cavendish em Paris

Josias de Souza

15/06/2012 04h44

O senador Ciro Nogueira (PP-PI) e o deputado Maurício Quintella Lessa (PR-AL), integrantes da CPI do Cachoeira, avistaram-se com o presidente licenciado da Delta Construções, Fernando Cavendish, num restaurante de Paris. Deu-se em abril, durante a Semana Santa.

Nesta quinta (14), votou-se na CPI o pedido de convocação de Cavendish. Foi rejeitado. Placar apertado: 16 a 13. O senador Ciro votou contra o depoimento. O deputado Maurício ausentou-se da sessão. Quer dizer: o comportamento de ambos influiu no resultado.

O encontro do sócio majoritário da Delta com congressistas fora veiculado em 31 de maio no blog do deputado Anthony Garotinho (PR-RJ). Sem citar nomes, ele anotara: "Alguns deputados federais e pelo menos um senador almoçaram com Fernando Cavendish na Semana Santa, em Paris. Alguns inclusive são Membros da CPI do Cachoeira-Delta" (veja a reprodução abaixo).

Inconformado com o desinteresse da CPI em ouvir Cavendish, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) foi ao microfone. Insinuou a presença na comissão de uma "tropa do cheque para defender o Cavendish". Abespinhado, Cândido Vaccarezza (PT-SP) levantou-se da cadeira. Dirigindo-se a Miro, declarou:

"Não assaque acusações genéricas. Se Vossa Excelência acha que tem um deputado que é da bancada do cheque, vire pro deputado e diga: é fulano. Eu não sou da bancada do cheque. Não sou!" (assista no vídeo lá do alto).

Miro não se deu por achado. Conversara com Garotinho. Pedira os nomes que o colega sonegara na nota que havia pendurado em seu blog. Garotinho não informou. Mas assegurou que o encontro de Paris ocorrera.

Dando-lhe crédito, Miro encaminhou à direção da CPI um requerimento. Quer saber quais parlamentares almoçaram com Cavendish e se o voto deles influiu no resultado da votação desta quinta. Citou uma missão oficial à África.

De fato, a missão ocorreu. Sete congressistas voaram para Kampala, na Uganda, para representar o Parlamento brasileiro na 126ª Assembleia Geral da União Interparlamentar. A viagem foi custeada pelo erário. O encontro aconteceu entre os dias 30 de março e 5 de abril.

Além de Ciro Nogueira e Maurício Quintella Lessa, integraram a comitiva Hugo Napoleão (PSD-PI), Átila Lins (PSD-AM), Alexandre Santos (PMDB-RJ), Iracema Portela (PP-PI) e Eduardo Fonte (PP-PE). No voo de volta, aproveitando-se do sacrossanto recesso da Semana Santa, alguns parlamentares fizeram escala em Paris.

Foi nessa passagem pela capital francesa que Ciro e Maurício avistaram-se com Cavendish. Acompanhou-os Eduardo Fonte, que não é membro da CPI. Nessa época, já crepitava nas manchetes dos jornais o escândalo Cachoeira e as ramificações da quadrilha com a empreiteira Delta.

Ouvido, Ciro Nogueira confirmou o encontro parisiense. Tratou-o como coisa fortuita. "Conheço Cavendish, tenho relação com ele há uns cinco anos. Mas nada que envolva doação de campanha. Nós só o cumprimentamos. Foi um encontro totalmente casual."

O nome do restaurante? O senador disse que não se recorda. Lembra-se apenas do nome da rua: Avenue Montaigne. De resto, veio-lhe à memória um detalhe prosaico: acompanhados das respectivas mulheres, os parlamentares encontraram um Cavendish de namorada nova, "muito bonita."

Na sessão em que a CPI refugou o pedido de convocação do presidente licenciado da Delta, coube a Ciro fazer um dos discursos de "encaminhamento" da votação. Se o encontro de Paris foi "casual", a fala do senador foi providencial.

Ciro Nogueira soou assim na CPI: "Será que o doutor Fernando Cavendish vai chegar aqui e vai falar, vai entregar qualquer tipo? Não vai. Ou nos preparamos para a arguição dessas pessoas, ou nós vamos ser desmoralizados, como nós fomos ontem e anteontem [nas aguições dos governadores Marconi Perillo, de Goiás, e Agnelo Queiroz, de Brasília]".

Reza a Constituição que as CPIs têm poderes análogos aos do Judiciário. Podem quebrar sigilos, intimar e interrogar pessoas. Em certas situações, podem até dar voz de prisão a depoentes que faltarem com a verdade.

Levando-se a analogia a limites extremos, os membros de uma CPI deveriam se abster de participar de decisões que envolvam "amigos", como fazem os magistrados nos casos em que se declaram impossibilitados de julgar.

Na melhor hipótese, Ciro Nogueira teria rendido homenagens ao bom senso se houvesse privado a CPI do seu voto. Numa hipótese melhor ainda, pouparia a comissão do risco da pantomima abstendo-se de participar de uma investigação que tem na Delta do "amigo" Cavendish uma de suas ramificações mais promissoras.

Além de não convocar Cavendish, a CPI derrubou o pedido de oitiva de Luiz Antonio Pagot, ex-diretor-geral do Dnit, o órgão que mais brindou a Delta com contratos para execução de obras do PAC.

Pagot já disse e repetiu que tem o que dizer e deseja falar. Porém, numa reunião em que até Andressa Mendonça, a mulher de Carlinhos Cachoeira, foi convocada a depor, a CPI informou, por 17 votos a 13, que não tem interesse em ouvir o ex-mandachuva do Dnit.

Em articulação coordenada por Miro, um grupo de congressistas insurretos tenta viabilizar o depoimento de Pagot. Se der certo, ocorrerá em sessão informal e paralela. Algo inusitado, que, confirmando-se, levará às manchetes a criação de uma espécie de 'CPI do B'. A autodesmoralização da CPI oficial já é evidente. Resta saber até que ponto os congressistas estão dispostos a permitir que o melado escorra.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Membros da CPI encontram Cavendish em Paris - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


Josias de Souza