Distante dos partidos, Dilma deixou de ser opção automática dos aliados para a sucessão de 2014
Josias de Souza
01/07/2012 07h24
No alvorecer da metade final do seu segundo ano de mandato, Dilma Rousseff preside um paradoxo: sua popularidade cresce nas ruas na proporção direta do declínio do seu prestígio nos gabinetes dos políticos que comandam os partidos da coalizão governista.
Tomada pelo último Ibope, divulgado há três dias, Dilma é um portento. Seu governo desfruta de uma taxa de aprovação de 59%, a maior desde a posse. Seu estilo de governar agrada a 77% dos eleitores. Confiam nela 72% dos brasileiros.
A imponência dos índices indica que Dilma acerta na escolha dos ingredientes que levam ao sucesso. Porém, se a presidente descer à cozinha dos partidos que chama de aliados para encomendar uma receita reeleitoral, verá que já lhe faltam os cozinheiros, os mantimentos e as panelas.
Dilma deixou de ser uma opção automática para 2014 entre as legendas que a rodeiam, eis a essência da contradição que ronda o Planalto. A depender da vontade dos gestores de alguns dos mais vistosos tachos partidários, irão ao forno projetos alternativos.
No PT, cresce a torcida para que a saúde e a conjuntura devolvam a Lula a ambição de candidato. Noutras agremiações intensificou-se a busca por paladares novos. Exímio farejador de oportunidades, Eduardo Campos, governador pernambucano e presidente do PSB, atravessa a rua para acenar de outra calçada.
Deve-se o fenômeno às peculiaridades que distinguem a presidência de Dilma das anteriores. Nas palavras de um partidário do projeto de Eduardo Campos, "ela fez um pacto com a opinião pública baseado na exclusão dos partidos."
Nessa versão, Dilma trata as legendas que lhe dão suporte a golpes de vassoura e desprezo. Chegou à fórmula da popularidade fácil adicionando à pseudofaxina críticas aos juros cobrados pelos bancos, tão demonizados quanto os políticos.
Para complicar, Dilma administra a própria imagem com avareza incomum para alguém que deseja chegar ao segundo mandato. "Diferentemente do Lula, ela não divide a popularidade com ninguém", lamuria-se um senador do PT.
Em plena temporada eleitoral, Dilma não posou para uma mísera foto ao lado de candidatos a prefeito. Por ora, refugou os convites dos poucos que se atreveram a consulta-la sobre a possibilidade de vidá-la gravar mensagens para a propaganda eleitoral.
Num instante em que a disputa pelo comando dos municípios monopoliza as engrenagens partidárias, o hardware de Dilma roda outro software. De costas para as urnas, a presidente concentra-se na crise econômica que rói o PIB.
No começo de 2012, numa reunião do seu conselho político, integrado por líderes e presidentes de partidos, Dilma prometera achegar-se aos aliados. Disse que promoveria encontros periódicos no Alvorada.
Nessa conversa, a presidente chegou mesmo a detalhar como seriam as reuniões. Partidos com bancadas numerosas, como PT e PMDB, seriam divididos em pequenos grupos, de modo que a conversa fluísse sem dispersões. Quem ouviu levou a sério.
"Já chegamos ao meio do ano e ela não reuniu nenhum partido", espanta-se um dirigente do PMDB. "Nem o conselho político voltou a ser convocado. As reuniões diárias da coordenação de governo, com a presença de ministros partidários, não ocorre há três meses. Difícil lembrar quando foi a última vez que o Michel [Temer] foi chamado para uma conversa a dois."
Somando o alheamento eleitoral ao gosto pelo atrito, parte dos aliados cultiva a suspeita de que protagonistas da cena cultiva a suspeita de que Dilma opera com o horizonte do mandato único. "Ela vai devolver as chaves ao PT" em 2014, disse, num diálogo privado, o farejador Eduardo Campos. Erro.
Um auxiliar do ministro Guido Mantega (Fazenda) avalia que, no software de Dilma, as chances de obtenção do segundo ciclo estão vinculadas à capacidade do governo de manter a economia sob controle. Salvando o PIB, ela conservaria o prestígio e se imporia aos partidos. "Gostando ou não, vão ter que engolir."
O problema é que cresce no condomínio a percepção de que a capacidade gerencial da síndica é menor do que a crise. Partindo da mesma premissa do assessor da Fazenda, os aliados chegam a uma conclusão oposta: agudizando-se a crise, Dilma será regurgitada, não digerida.
Trazido à luz na semana passada, o último relatório trimestral do Banco Central como que açulou as vozes de mau agouro. O documento anota que que os investimentos produtivos na economia brasileira devem crescer apenas 1% em 2012. Taxa bem inferiror aos 4,7% anotados em 2011.
Nesse diapasão, estimou o BC, o PIB deve crescer escassos 2,5%, menos que os já exíguos 2,7% do ano passado. É contra esse pano de fundo tingido pelos efeitos da crise europeia que se movem os partidos.
Para os que flertam com o desembarque, a atmosfera de borrasca aconselha a Dilma a aproximar-se dos partidos. Um velho frequentador do Alvorada, aliado de todos os governos desde a gestão de José Sarney, disse que a presidente sofre da "síndrome do espelho dourado".
Como assim? "Há na entrada do Alvorada uma parede forrada de espelhos da cor do ouro. Ao chegar do Planalto, o ego da presidente, inflado de nascença, agiganta-se no reflexo dourado. Não há humildade que resista. Alguém precisa mandar pintar aquela parede de preto." (abaixo, numa foto do ano passado, Dilma conduz um grupo de senadores do PSB e do PCdoB à porta do Alvorada depois de cruzar o espelho dourado).
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.