Advogado de Demóstenes: ‘pena de cassação é cruel e fere até o princípio da proporcionalidade’
Josias de Souza
03/07/2012 06h29
Antonio Carlos de Almeida 'Kakay' Castro, advogado de Demóstenes Torres, avalia que o pedido de cassação do mandato do seu cliente não orna com as faltas que lhe são atribuídas. Considera a pena demasiado severa. Tão cruel que pode acabar beneficiando o acusado.
Kakay argumenta que, num julgamento político, a cassação é a pena máxima numa escala de punições que inclui a advertência e a suspensão. Sustenta que, entre cinco acusações feitas contra Demóstenes na representação do PSOL, só uma sobreviveu: a de que o senador recebeu um rádio Nextel de Carlinhos Cachoeira.
Indaga: "É proporcional cassar o mandato do senador por causa do Nextel, sabendo que existem outras hipóteses de apenamento?". Responde: "Acho absolutamente despropricional." Acrescenta: "A pena de cassação é tão cruel que fere até um princípio previsto na Constituição: o princípio da proporcionalidade."
A hipótese de impor a Demóstenes uma pena mais branda não está mais em questão. No dia 11 de julho, data marcada para o julgamento, os senadores terão de votar um projeto de resolução redigido por Humberto Costa (PT-PE) e aprovado por 15 a zero no Conselho de Ética. Nesse texto, não há senão a proposta de cassação.
Na contramão das previsões acerbas feitas à beira da guilhotina, Kakay ainda acha que a lâmina pode não prevalecer. "A pena, quando é muito cruel, tem uma vantagem. Acaba sendo favorável. Os senadores terão de dizer 'sim' ou 'não'. Só resta cassar ou não cassar. Muitos podem concluir que a cassação é um exagero." Para que a cabeça de Demóstenes seja apartada do pescoço, são necessários 41 dos 81 votos disponíveis no Senado.
O repórter perguntou ao advogado se a tese da gradação da pena não traz um quê de admissão de culpa. E Kakay: "De jeito nenhum. Falo a título de argumentação, porque muita gente disse que o senador não deveria ter recebido o Nextel. O que eu digo é que, ainda que se considerasse razoável esse argumento, a cassação seria uma pena desproporcional."
Não acha grave que o senador tenha operado um rádio ligado à rede de Cachoeira e com as contas pagas por ele? "No meu ponto de vista, nas condições em que ele recebeu, não caracteriza nem crime nem quebra de decoro parlamentar. O senador não dispunha de uma lanterna capaz de iluminar o futuro. Aceitou o Nextel sem saber que outras pessoas também tinham e que usavam com outros propósitos."
Kakay prossegue: "É claro que, depois de tudo o que se desvendou, as atitudes passam a ser avaliadas sob outro prisma. As coisas passam a ter gravidade. Mas insisto: na época em que o senador recebeu o Nextel, não se podia alegar nada disso."
Recordou-se a Kakay que o relatório de Humberto Costa, referendado pelo Conselho de Ética e em vias de ser ratificado pela Comissão de Justiça, vai muito além do Nextel. Na peça, Demóstenes é retratado como "despachante de luxo" de Cachoeira.
O defensor de Demóstenes afirma que Humberto Costa cometeu "um grave erro" ao preparar o seu relatório. "O texto me dá margem para um belíssimo mandado de segurança no STF. Não vamos fazer porque não achamos conveniente." Kakay repisa: "Das cinco acusações feitas na representação do PSOL, só sobrou o Nextel. Diante disso, o relator foi buscar outras imputações."
Mas o processo não se destina a investigar? "Fiquei preocupado ao ouvir a leitura do relatório. Por um instante, achei que o senador Demóstenes ia ser responsabilizado pelo Watergate", ironiza Kakay. "Num processo como esse, você tem que se ater às acusações formuladas na peça inicial. Não posso ser acusado de espancar um padre e ser condenado por matar uma mulher."
Ex-procurador da República, o senador Pedro Taques (PDT-MT), relator do caso Demóstenes na Comissão de Justiça, discorda de Kakay. "Não estamos tratando de um processo penal, em que vigora o princípio da estabilidade processual. Estamos diante de um procedimento político em que se discute a falta de decoro. A representação inicial não condiciona a peça do relator."
Taques esmiúça o raciocínio: "A própria expressão 'decoro parlamentar' muda com o tempo. No início do século, um deputado foi cassado porque posou para fotos de cuecas. Hoje, isso parece piada. A Constituição não tipifica o crime de decoro. Fala de conceitos. Menciona o recebimento de vantagens indevidas e a prática de atos incompatíveis com o cargo. São conceitos amplos. Cabe a nós decidir o que é incompatível."
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
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