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Em solenidade oficial, Maluf beija mão de Dilma

Josias de Souza

05/07/2012 05h51

Convertido pelo PT em herói da resistência na cidadela paulistana, Paulo Maluf levou ao seu álbum particular uma fotografia com aparência de troféu. Duas semanas depois de posar ao lado de Lula, o neoalidado cavou uma nova imagem insólita.

Deu-se nesta quarta-feira (4), em ato oficial realizado no Planalto. Convocada pelo cerimonial da Presidência para que Dilma Rousseff anunciasse com pompa um plano para a safra da agricultura familiar, a solenidade tropeçou nas circunstâncias.

Além de adensar a platéia, Maluf achegou-se à anfitriã depois de apaudir-lhe o discurso. Reverenciou-a à moda dos antigos fidalgos, pespegando-lhe um beijo na mão. Por mal dos pecados, os fotógrafos eternizaram a coreografia.

Em tempos de Comissão da Verdade, a imagem desce à crônica dos dias que correm como símbolo dos novos tempos: o apoiador da ditadura militar e a torturada reunidos em carinhosa confraternização!

No caso de Lula, a aproximação com Maluf materializou apenas uma incoerência. Uma evidência de que já não há culpados no Brasil, apenas cúmplices. No caso de Dilma, a metamorfose é mais profunda.

Maluf era prefeito de São Paulo quando a Oban (Operação Bandeirante) deu seus primeiros passos na cidade. Sob estímulos do comando do 2o Exército um major chamado Waldyr Coelho azeitou, em 1969, a engrenagem que recebia e interrogava, sob suplícios, os suspeitos de atividades terroristas.

Num dos volumes em que dissecou esse período da história (A Ditadura Escancarada, Cia. das Letras), o repórter Elio Gaspari conta que "o major Coelho fazia tempo pensava em transferir o seu porão para outra sede, onde tivesse mais segurança e, sobretudo, discrição."

Reportando-se às 'Memórias de um soldado', obra do general Ernani Ayrosa da Silva, que assumira as rédeas do 2o Exército em maio de 1968, Gaspari relata que a burocracia de Brasília dera sinal verde ao empreendimento do major Coelho –"desde que ele conseguisse equipar o quartel sem pedir dinheiro à caixa" do Ministério do Exército.

A cereja desse pedaço do bolo servido no livro de Gaspari vem no seguinte trecho: "O prefeito da cidade, Paulo Maluf, asfaltou a área do quartel, trocou-lhe a rede elétrica e iluminou-o com lâmpadas de mercúrio. O governador Roberto de Abreu Sodré cedeu-lhe espaço numa delegacia na esquina das ruas Tomás Carvalhal e Tutóia, a cinco minutos do QG do Ibirapuera, para que nela fosse instalada a Oban."

Quer dizer: na tarde seca de uma Brasília inacreditável, uma Dilma impensável teve a mão beijada por um Maluf que, insuperável na sua capacidade de reposicionar-se em cena, ajudara a asfaltar e iluminar um dente da engrenagem repressora que moeria a ex-guerrilheira que hoje despacha no Planalto e seus companheiros de armas.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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