Num 2o turno contra Russomanno, PT e PSDB vão depender um do outro como em 98 e 2000
Josias de Souza
08/09/2012 06h10
Operadores da campanha tucana de Serra e do comitê petista de Haddad começam a se dar conta do óbvio: mantido o cenário, PT e PSDB dependerão um do outro para evitar o triunfo do inusitado. Russomanno desempenha na disputa de 2012 o papel representado por Paulo Maluf nas eleições de 1998 e de 2000.
Numa, Mario Covas foi reeleito governador de São Paulo com o apoio do PT. Noutra, Marta Suplicy elegeu-se prefeita da capital com o suporte do PSDB. Em ambas Maluf emergira do primeiro round com votação e cara de favorito. A adoção do modelo 'um por todos e todos contra Maluf' foi vital para derrotá-lo.
Esboça-se agora uma quadro semelhante. Com uma diferença: embora reconheçam que Russomanno talvez exija a mesma união de esforços, tucanos e petistas crêem que, dessa vez, será mais difícil estreitar a inimizade. Nos 14 anos decorridos desde 1998, formou-se um quase intransponível manancial de rusgas.
Em 1998, Covas passara raspando para a segunda fase da disputa. Superara Marta pela estreita margem de 0,4% dos votos válidos. Coisa de 70 mil cabeças. As urnas mal haviam sido contadas e José Serra tocou o telefone para casa de Marta. "Ele era a pessoa, naquele momento, mais próxima de mim no PSDB", recordaria ela mais tarde, num depoimento à Fundação Mario Covas (vídeo disponível aqui).
De acordo com o depoimento de Marta, Serra lhe disse: "Nós estamos querendo que você apoie" o Covas. Embora ainda não tivesse digerido a derrota, que atribuiu a uma "manipulação" das pesquisas, ela diz ter respondido assim ao apelo de Serra: "Não tenho nenhuma dúvida de que vou apoiar. E apoiei."
Hoje, é Serra o candidato do PSDB, não Covas. Ele faz dos ataques à gestão de Marta na prefeitura um dos pilares de sua campanha. Se telefonar para a ex-quase-amiga talvez nem seja atendido. De resto, em duas malogradas cruzadas presidenciais –2002 contra Lula e 2010 contra Dilma Rousseff— Serra ateou no petismo os mais primitivos instintos de aversão.
Dava-se algo diferente com Covas. Mesmo os mais fervorosos antagonistas do PT o respeitavam. Afora o apoio de Marta, ele obteve na batalha contra Maluf a adesão de outros dois petistas de peso. O tucano José Aníbal, hoje secretário de Energia do governo Geraldo Alckmin, rememora:
"A uma semana da eleição, numa segunda-feira, peguei o Mario [Covas] às quatro da manhã. Fomos na fábrica da Ford e a uma reunião com sindicalistas em São Caetano. Depois, fomos à prefeitura de São Bernardo. O prefeito era o Maurício Soares. Tinha sido do PT, advogara para o sindicalista Lula. Naquele instante, estava no PSDB."
Segundo Aníbal, Covas convidou para uma conversa na prefeitura o petista Luiz Marinho, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. "Foi um papo muito bom. O Marinho disse ao Mario: "governador, pode contar com o meu apoio." Ouça-se mais um pouco de Aníbal: "Dali, rumamos para a prefeitura de Santo André, que era comandada por Celso Daniel."
De novo, Covas saiu da conversa com o apoio do interlocutor. Mais do que isso: "Ele nos pediu que mandássemos rodar um jornal de uma folha. De um lado, o apoio dele ao Mario. Do outro, o apoio do Luiz Marinho", relata Aníbal. "Já no carro, eu disse ao Mario: nós vamos ganhar. E ele: 'é, parece que vamos.' À noite, o jornal já estava sendo distribuído na região do ABC" paulista. Dali a seis dias, Covas bateria Maluf.
Hoje, Celso Daniel é uma lápide e Luiz Marinho é prefeito de São Bernardo e candidato de Lula ao governo de São Paulo em 2014. Tudo o que não deseja é que o PT se converta em azeitona na empada do PSDB de Serra e, sobretudo, de Geraldo Alckmin, seu provável adversário.
Àquela altura, Covas já havia sido abalroado pelo câncer que lhe tiraria a vida cinco meses depois. "Ele ia se internar naquele dia", relembrou Marta. "Isso a gente não esquece." A candidata convidou Covas para um ato de apoio à sua campanha, que ocorreria no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. "Pra mim, é vital que você venha, porque pode ser um diferencial. E aí ele foi. Ele estava muito mal já. Disse: 'Marta, eu adiei a entrada no hospital porque não quis correr risco. Acho que é importante você ganhar. Eu agradeci, fiquei muito emocionada, dei um beijo nele."
Empurrado por Covas, o grosso do tucanato pegou em lanças por Marta. E Maluf migrou novamente da condição de favorito para a de derrotado. Hoje, Covas é uma sepultura e Alckmin é governador e candidato à reeleição em 2014. Tudo o que não deseja é que o PSDB vire cobertura de chantili numa torta de morango do PT de Haddad.
Maluf continua frequentando o palco. Com duas diferenças: agora, ele é procurado pela Interpol e tenta impedir a repatriação de US$ 22 milhões que o Ministério Público diz terem sido desviados da prefeitura para o paraíso fiscal de Jersey. Mas já não é visto como ameaça. Ao contrário, teve o apoio disputado pelos ex-rivais.
Russomanno é uma oportunidade que Maluf deixou de aproveitar. Negou-lhe a legenda do PP e forçou a transferência dele para o nanico PRB. Sem candidato, Maluf foi cortejado pelo PSDB. Mas Alckmin esnobou-o numa reivindicação fisiológica por cargo. No Estado, manteve o apoio ao governo tucano. Porém…
Premiado por Dilma Rousseff com uma secretaria do Ministério das Cidades, Maluf bandeou-se da candidatura de Serra para a de Haddad. De quebra, renovou o prontuário numa foto histórica. Posou nos jardins de sua mansão ao lado de Lula e do seu pupilo. Agora, o ex-nefasto coabita a coligação com Marta. Ela fez cara de nojo. Mas já levou a cara à propaganda de Haddad.
No centro de um palco tão crivado de ironias, PT e PSDB ruminam uma certeza. Os dois lados consideram que a eventual vitória de Russomanno conduzirá São Paulo ao desastre. Mas se Deus descesse neste final de semana à Terra para perguntar 'a cidade ou as conveniências partidárias?', tucanos e petistas gritariam: às favas com a cidade.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.