Dirigente do PT acusa Supremo de realizar um ‘julgamento político’, num ritmo de ‘Big Brother’
Josias de Souza
23/09/2012 03h20
Em vídeo veiculado no site oficial do PT, o Secretário de Comunicação do partido, deputado federal André Vargas (PR), fez duríssimas críticas ao STF. Insinuou que a Corte suprema do país ignora provas com o deliberado propósito de prejudicar o PT.
"O julgamento está acontecendo num período eleitoral, num formato de Big Brother da Justiça, de transmissão online, sistemática, onde as questões técnicas são abandonadas. É um julgamento político e não um julgamento tecnicamente sustentável", atacou.
Alheio às provas destrinchadas pelos ministros do Supremo ao fundamentar seus votos, André Vargas declarou que "as ilações de um réu confesso como Roberto Jefferson se transformaram em verdades que são contrariadas pelos fatos e pelas provas."
As declarações de André Vargas foram divulgadas pelo PT a pretexto de reagir à notícia em que a revista 'Veja' atribuiu a Marcos Valério declarações segundo as quais Lula é o verdadeiro chefe do mensalão.
"Não podem condenar apenas os mequetrefes", teria dito Valério num dos trechos reproduzidos por Veja. "Só não sobrou para o Lula porque eu, o Delúbio [Soares] e o Zé [Dirceu] não falamos."
E o secretário de Comunicação do PT: "A Veja tem tido a prática de conspirar sistematicamnte contra os nossos governos." Neste final de semana, a revista reiterou as informações que publicara em sua edição anterior.
André Vargas refere-se ao noticiário da revista como "manipulação" (repare no vídeo abaixo). De repente, ele vincula o "comportamento" de Veja ao que se passa no plenário do STF: "Isso está ligado muito ao formato com que tem sido conduzido o julgamento do chamado mensalão."
Além de André Vargas, o PT levou à sua página na web os depoimentos de outros dois deputados petistas. Deblateraram contra Veja Carlos Zarattini (SP) e José Guimarães (CE) –os vídeos podem ser assistidos aqui.
A escolha de José Guimarães como um dos porta-vozes da contrariedade do PT não parece das mais adequadas. O deputado é irmão do réu José Genoino. Em 2005, quando as manchetes só falavam de mensalão, um assessor parlamentar de Guimarães, então deputado estadual no Ceará, foi preso no aeroporto de Congonhas (SP) com US$ 100 mil acondicionados na cueca.
Nessa época, a Polícia Federal constatou que o dinheiro era proveniente de propina recebida por Kennedy Moura, um ex-mandachuva do PT cearense que ocupava a chefia de gabinete da presidência do Banco do Nordeste.
Curiosamente, Vasgas, Zarattini e Guimarães criticam Veja e defendem Lula sem levar aos lábios o nome de Marcos Valério, personagem central da notícia. É como se a tróica de petistas receasse melindrar o operador do mensalão. De resto, ignoram três fatos: o mensalão foi investigado pela Polícia Federal de Lula, foi denunciado pelo procurador-geral indicado por Lula e está sendo julgado por um STF apinhado de ministros guindados ao tribunal por Lula -entre eles o relator Joaquim Barbosa.
O irmão de Genoino recorre em seu depoimento aos chavões preferidos do petismo. O lero-lero de Guimarães mistura "elite", "judicilazação da política" e "mídia" num mesmo caldeirão. "A elite desse país não nos derrotou nas urnas e agora quer nos derrotar via Judiciário e via mídia. É disso que se trata", diz ele.
Refere-se ao PT, cuja sigla está gravada no pano de fundo do STF, como bastião da democracia: "O PT se construiu como o principal sustentáculo da democracia política, social e econômica do Brasil. Eles já foram derrotados três vezes por nós. E agora, com a tese da judicialização da política, eles querem interditar o nosso projeto."
Guimarães volta a sacudir o lençol de um fantasma cultivado com zelo pelo petismo: o controle da mídia. "Mexeu com o Lula, mexeu com o PT, mexe com o povo brasileiro. […] A mídia não pode ser partido político. Passadas as eleições, nós do PT vamos tomar uma medida, quer queiram, quer não queiram: é a regulamentação da questão da comunicação no país. Vamos ter que enfrentar esse debate, porque foi além do limite. […] Criminalizar o Lula é criminalizar a democracia brasileira."
Como se vê, algo subiu à cabeça das lideranças do PT. Não se sabe ao certo o quê. Mas está claro que não é nada que se pareça com bom senso. A perspectiva de prisão de alguns de seus luminares tirou o partido do eixo.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.