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‘Eu já fui julgado’, afirma Lula sobre o mensalão

Josias de Souza

18/10/2012 04h23

Em visita à Argentina, Lula comentou pela primeira vez em público o julgamento do mensalão. Não falou sobre os réus já condenados. Pareceu mais preocupado com o veredicto que a história emitirá sobre o seu governo quando puder se pronunciar. Cuidou de se auto-absolver.

"Eu já fui julgado. A eleição da Dilma foi um julgamento extraordinário. Para um presidente com oito anos de mandato, sair com 87% de aprovação é um grande juízo e não me preocupo com nada", disse Lula, em entrevista ao repórter Juan Landaburu, do diário La Nación.

O percentual mencionado por Lula foi anotado numa pesquisa feita pelo Ibope em dezembro de 2010. Ao evocar a eleição da sucessora e a taxa de aprovação obtida no final do segundo mandato, Lula como que antecipa sua estratégia.

Para se contrapor às condenações do STF, Lula invocará como sentenças absolutórias o álibi das urnas –foi reeleito em 2006 e fez a sucessora em 2010— e o salvo-conduto das sondagens de opinião pública.

Não é à toa que Lula ordenou ao PT o adiamento da reação do partido para depois do segundo turno das eleições municipais. Em privado, ele diz que José Dirceu e José Genoino sofreram condenações "políticas" no Supremo, "sem provas".

O repórter perguntou a Lula se a condenação de "colaboradores próximos" não o leva a fazer uma autocrítica. E ele: "Não me manifestei sobre esse processo, primeiro porque naquela época era presidente da República e acho que um ex-presidente não pode ficar opinando sobre a Suprema Corte. Principalmente quando o processo está em andamento. Vamos esperar que termine o processo e, então, com certeza poderei emitir minha opinião."

Lula espera que o PT recolha das urnas de 2012 um resultado que lhe permita dissolver o escândalo em votos. Essa é a quarta vez que ajusta sua tática. No esforço que empreende para tentar reduzir os danos do mensalão, já frequentou a cena com outros discursos.

Em 2005, nas pegadas da delação de Roberto Jefferson, Lula disse que "não sabia" que a base congressual de seu governo fora costurada com liames monetários. Em pronunciamento televisivo, chegou mesmo a pedir "desculpas".

Dizendo-se "traído", o Lula de sete anos atrás expressou-se assim: "Não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas. O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem que pedir desculpas. Porque o povo brasileiro […] não pode, em momento algum, estar satisfeito com a situação que o nosso país está vivendo."

O que esse primeiro Lula disse, com outras palavras, foi que os 52.788.428 de votos que o haviam enviado ao Planalto deveriam enxergá-lo como um bobo, não como um cúmplice. O tempo passou, a fervura diminuiu e surgiu um segundo Lula.

"Esse negócio de mensalão me cheira a um pouco de folclore dentro do Congresso Nacional", declarou em 2006, ano em que foi às urnas como candidato à reeleição. Alheia à pregação, a Procuradoria da República deu de ombros para a tese da fábula.

Acomodado na cadeira de procurador-geral pelo próprio Lula, Antonio Fernando de Souza esmiuçou a "quadrilha" numa denúncia e protocolou-a no STF. Excluiu Lula da encrenca. Servindo-se dos dados colecionados pela Polícia Federal, atribuiu a José Dirceu o papel de "chefe da organização criminosa."

Numa entrevista de maio de 2010, época em que carregava nos ombros a candidata Dilma, Lula encenou o terceiro ato. Evoluiu da lenda para a conspiração: "Na verdade, [o mensalão] era um momento em que tentaram dar um golpe neste país."

Em dezembro de 2010, quando se preparava para passar o bastão para Dilma, Lula recebeu José Dirceu para um café da manhã no Alvorada. Ao deixar a residência oficial do presidente, o ex-traidor disse que, longe da Presidência, Lula se dedicaria a desmontar "a farsa do mensalão."

Nesta quarta-feira (18), o ministro Joaquim Barbosa, relator do mensalão começou a ler a última 'fatia' do seu voto. Envolve 13 réus –a cúpula política, o braço operacional e o núcleo financeiro da quadrilha. Nesse trecho, analisa-se a imputação de formação de quadrilha.

Barbosa sinalizou o epílogo do seu voto, cuja leitura será concluída nesta quinta (18). Já condenado por corrupção ativa, José Dirceu será considerado pelo relator culpado também pela constituição da quadrilha.

Na abertura do voto, Barbosa já deixou assentado: a organização criminosa existiu e o esquema que comprou votos no Congresso foi comandado por Dirceu. Considerando-se a votação que impôs ao ex-ministro de Lula a primeira condenação, não são negligenciáveis as chances de que a maioria do Supremo siga o relator.

Nessa hipótese, a conclusão do julgamento realçará a falta de nexo do vaivém de Lula. Primeiro pede "perdão". Depois injeta a fábula na retórica. Em seguida fala de "golpe". Por último, escora-se nas urnas.

A essa altura, nada livrará Lula da inserção de um 'porém' na enciclopédia. O verbete dirá que sua presidência adicionou distribuição de renda à estabilidade econômica obtida com o Plano Real.

E acrescentará: 'Porém', registrou-se no seu primeiro mandato a mais atrevida tentativa de perpetuação de um grupo político no poder pela via do malfeito. Coisa nunca antes vista na história desse país.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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