Em artigo, FHC critica gestão Dilma e ironiza Lula: ‘não sei, não vi, não me comprometo…’
Josias de Souza
02/12/2012 05h26
Como costuma fazer todo primeiro domingo do mês, Fernando Henrique Cardoso levou às páginas um novo artigo. "Melancolia e revolta", eis o título. Sem mencionar-lhes os nomes, FHC levantou dúvidas sobre a capacidade gerencial de Dilma Rousseff e ironizou Lula. "Não sou propenso a queixas nem a desânimos. Entretanto, ao pensar sobre o que dizer nesta crônica senti certa melancolia", anotou na abertura.
FHC escorou sua acidez em pontos de interrogação distribuídos em trechos estratégicos do texto. "Escrever outra vez sobre o mensalão e sobre o papel seminal do STF? Já tudo se sabe e foi dito. Entrar no novo escândalo, o do gabinete da Presidência em São Paulo? Não faz meu estilo, não tenho gosto por garimpar malfeitos e jogar mais pedras em quem, nesta matéria, já se desmoralizou bastante."
"Clamávamos também contra indícios de corrupção. Não poderíamos imaginar que depois das greves de São Bernardo e das Diretas Já, as mesmas distorções seriam praticadas por alguns que então as combatiam. Criticava-se tanto o nepotismo e o compadrio, a falta de profissionalismo na administração e de transparência nas decisões […]. As proezas de cinismo e leniência praticadas por alguns dos personagens que apareciam como heróis-salvadores são chocantes."
Com uma ponta de ironia, FHC evocou o bordão do "eu não sabia", que persegue Lula desde 2005, ano em que o mensalão virou escândalo. "Dá lástima ver hoje uns e outros confundidos na corte de dúbios personagens que alegam nada saber dos malfeitos."
O líder tucano diz ter tentado "mudar o foco" do seu artigo. Em vez de corrupção, a economia. A pretexto de informar ao leitor que seria inócuo mudar de assunto, FHC pôs-se a desmerecer o decantado talento de Dilma para a gerência do Estado. "De que vale repetir críticas aos equívocos da política petrolífera, que começaram com a redefinição das normas para a exploração do pré-sal?"
Acha que, "até aqui, o novo modelo gerou apenas atrasos, custos excessivos e estagnação, além de uma briga inglória (e injusta para com os Estados produtores) a respeito de royalties que ainda não existem…" Soou como se não acreditasse na intenção de Dilma de destinar 100% dos dividendos do petróleo para a educação. Escreveu que, "quando existirem", os royalties do pré-sal "serão uma torneira aberta para gastos correntes e pressões inflacionárias."
Insinuou que também não adiantaria criticar a "contenção do preço da gasolina". Por quê? "Já se tornou rotina, mesmo que afete a rentabilidade da Petrobras e desorganize a produção de etanol." Sob a alegação de que prefere o silêncio, FHC voltou a servir-se da ironia: "Calo sobre os efeitos da redução continuada do IPI para veículos e do combustível artificialmente barato. Os prefeitos que cuidem de aumentar ruas e avenidas para dar cabida a tanto bem-estar…"
Enfileirou novas interrogações: "Que dizer da tentativa de cortar o custo da energia elétrica que teve como resultado imediato a perda de valor das ações das empresas? E essa agora de altos funcionários desdizerem o anunciado e, sem qualquer segurança sobre como será ajustado o valor do patrimônio das empresas, provocarem súbitas altas nas ações? O pior é que ninguém será responsável por eventuais ganhos de especulação advindos da falta de compostura verbal."
FHC atribui parte de sua "melancolia e revolta" à prostração do Legislativo e dos partidos políticos. "O que entristece não é só a conduta de algumas pessoas. É o silêncio das instituições democráticas. A mídia fala e cumpre seu papel. Cumpre-o tão bem que é confundida pelos que sustentam os malfeitos como se fosse ela e não a polícia quem descobre os desatinos ou como se servisse à oposição interessada em desgastar o governo."
Enalteceu o Ministério Público, que "pouco a pouco perdeu o ranço ideológico para se concentrar no que lhe é devido, a defesa da lei em nome da sociedade." Elogiou o Judiciário: "Os tribunais, especialmente depois de o Conselho Nacional de Justiça ser organizado, começam a sacudir a poeira e a julgar, dando-lhes igual o réu ser potentado ou pobretão." Porém…
Escreveu que "o Congresso e os partidos estão longe de corresponder aos anseios dos que escrevemos a Constituição de 1988." Acha que, em vez de exercer as "responsabilidades enormes de fiscalização" previstas no texto constitucional, os atores políticos preferem "calar e se submeter docilmente ao Executivo."
A despeito do alegado desânimo, FHC afirmou no artigo que "é preciso bradar e mostrar indignação e revolta, ainda que pouco se consiga de prático." Apoiou-se no brocardo: "Não há bem que sempre dure nem mal que não acabe. Chegará o momento, como chegou nos anos 1980, em que, com toda a aparência de poder, o sistema fará água."
Nas palavras de FHC, "há espaço para novas pregações." Ele próprio se pergunta: "Novas ilusões?" E responde: "Quem sabe. Mas sem elas, é a rotina do já visto, das malfeitorias e dos 'não sei, não vi, não me comprometo'."
– Serviço: pressionando aqui, você chega à íntegra do artigo de FHC.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.