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Dirceu diz que cadeia não o cala. Quem ouvirá?

Josias de Souza

31/01/2013 04h24

Quem não acredita no que o José Dirceu acredita não sabe o que está perdendo com seu ceticismo. A metafísica é mais divertida do que esse materialismo tedioso em que o pau é sempre pau, a pedra é inapelavelmente pedra e o crime é invariavelmente crime. Teorias conspiratórias são bem mais criativas. Quem resiste a elas perde o bom romance.

Veja-se o que sucedeu na noite passada. Dirceu discursou num ato "Pela Anulação do Julgamento do Mensalão". Condenado à cana dura, o companheiro disse que, mesmo preso, manterá os lábios no trombone: "Pode ser em regime fechado, segurança máxima ou solitária. Não vou me calar." Aplaudiram-no cerca de 600 pessoas. Atrás das grades decerto haverá plateias maiores. E com mais tempo livre na agenda.

O julgamento do mensalão foi "uma violência jurídica nunca vista", disse o orador. A concomitância com o calendário eleitoral foi "falta de pudor". Um cético faria boca de nojo. Dirceu falando de impudor? Mas é aí que mora a graça. De falta de pudor o companheiro entende. É bobagem discutir com um especialista.

"Quem fala em nome do Brasil, da nação, é o Parlamento. Não é ministro do Supremo Tribunal Federal", declarou o condenado. Erro, dirão os materialistas. O povo brasileiro, de fato, é cão que não morde. Mas já parou de abanar o rabo para o Congresso faz tempo. E Joaquim Barbosa, popularíssimo, virou a máscara mais vendida do Carnaval carioca. Tudo bem. Mas, que diabo, é preciso obtemperar as coisas. Ninguém sabe com que margem de erro trabalha o DataDirceu.

Solidário, Dirceu não se preocupa apenas com o próprio umbigo. Inquieta-se por Lula. Abespinhou-se com Roberto Gurgel porque ele disse que passará adiante o depoimento de Marcos Valério contra Lula. "Aonde estão os nossos?", indigna-se Dirceu. "Quando o procurador da República diz que vai enviar para os procuradores de primeira instância as denúncias do Marcos Valério sobre as relações com o presidente Lula, quem é que foi para a tribuna denunciar isso?"

À primeira vista, a irritação de Dirceu com "os nossos" não faz nexo. Denunciar o quê? Que o procurador decidiu cumprir a obrigação dele? "É preciso enfrentar a ofensiva que a direita está fazendo no país contra o nosso projeto político", Dirceu elabora. Ah, bom! Está explicado. Mas quem poderia imaginar que Valério é de direita e que, por ideologia, decidiu aniquilar os ex-aliados?

Dirceu quer democratizar a imprensa. "Se houvesse democracia nos meios de comunicação, nós não estaríamos hoje aqui, porque teríamos sido absolvidos." Os que não acreditam no que Dirceu acredita dirão que ele deseja aquele tipo de imprensa que não imprensa. É isso mesmo o que deseja o condenado. E, pensando bem, será melhor. Num regime de imprensa companheira, o romance vira versão oficial. E o país pode degustar a teoria conspiratória, mais criativa e divertida, sem o incômodo do contraponto factual. Aqui fora, Dirceu é mal compreendido. Mas a comunidade carcerária haverá de entendê-lo. Na cadeia, como se sabe, só há inocentes.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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