Pastor chama religiosos à ‘batalha’ contra gays
Josias de Souza
10/03/2013 06h01
Sob críticas desde que foi escolhido para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o deputado-pastor Marco Feliciano (PSC-SP) tenta converter a polêmica numa cruzada religiosa. Em panfleto veiculada no Facebook, ele convocou líderes evangélicos e católicos da cidade de Ribeirão Preto e arredores para uma reunião nesta segunda-feira (11).
Valendo-se de linguagem bélica, anotou que o alvo de seus antagonistas não é ele: "Estamos vivenciando a maior de todas as batalhas contra a família brasileira." Sustenta que é a igreja que "está sendo bombardeada". Identifica a munição e aponta o inimigo: são "mentiras insinuadas por grupo de bandeira LGTB (gays, lésbicas, bissexuais e travestis)".
Feliciano chama pastores e padres para a reunião em que se discutirá "o futuro de nossas igrejas diante deste grande embate". Parece interessado em exibir sua infantaria: "Toda a imprensa estará presente, precisamos mostrar nossa união", realça o panfleto.
No Twitter, Feliciano divulgou neste sábado (9) uma espécie de resposta à apresentadora Xuxa. Ela o havia chamado de "monstro" numa nota pendurada no Facebook na véspera. "Gente!!!! Socorro! Vamos fazer alguma coisa!", escrevera Xuxa (repare abaixo). "Esse deputado disse que negros, aidéticos e homossexuais não têm alma. Existem crianças com Aids. Para este senhor, elas não têm alma? […] Esse homem não é um religioso, é um monstro. Em nome de Deus ele não pode ter poder."
"Deus te abençoe, Xuxa", respondeu o deputado-pastor no Twitter. Ele anotou que, por ironia, falara de Xuxa em seu programa televisivo de domingo passado. Ofereceu aos seus seguidores um link que conduz a um vídeo. A peça foi ao ar na emissora CNT. Mostra uma entrevista de Feliciano com uma fiel que diz ter tomado gosto pela música ouvindo, em criança, a rainha dos baixinhos.
"Minha inspiração era a Xuxa", ela diz. Feliciano intervém para contar que conhecera o autor da canção Ilariê, um dos maiores sucessos de Xuxa. Chama-se Cid Guerreiro. Virou cantor gospel. "Eu vi tanta gente falar besteira sobre essa música", diz Feliciano no vídeo. "Falaram que a música era do diabo, que o Ilariê ali era o erê do terreiro de Umbanda." Algo que o autor, agora "um servo de Deus", desmentiu. "Isso é para desmistificar, porque tem muita mãe que vê a Xuxa cantar Ilariê e faz até o sinal da cruz", encerra o deputado-pastor (assista abaixo).
Alvo de manifestações de rua convocadas pelas redes sociais, Feliciano serviu-se da mesma trincheira, a internet, para reagir. Numa das frases que o fizeram polêmico, o pastor escrevera no ano passado que "os africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé." Daí, segundo ele, as doenças e os flagelos que se abatem sobre a África.
Na semana passada, escalou a rede um vídeo no qual Feliciano aparece comandando uma coleta de dízimos. Ele aceita de tudo –dinheiro, cheque, moto… A certa altura, exibe um cartão. E queixa-se do doador: "É a última vez que eu falo. Samuel de Souza doou o cartão, mas não doou a senha. Aí não vale. Depois vai pedir o milagre pra Deus e Deus não vai dar. E vai falar que Deus é ruim" (reveja aqui).
Pois bem. Em nota veiculada no seu site, o pastor difunde uma entrevista supostamente concedida pelo dono do cartão. Fez isso para desmentir manchetes de "jornais tendenciosos", publicadas sob influência de "ativistas do grupo LGBT". Diz o texto que, ao pedir a senha do cartão, Feliciano "estava brincando". Hã?!? Queria, em verdade, "devolver o cartão" que poderia ter chegado à sacolinha de ofertas "por engano".
Samuel de Souza, por sua vez, declara que nem tinha mais dinheiro para oferecer à igreja. Por que diabos seu cartão foi parar no balaio? "[…] Resolvi fazer um ato profético de consagrar simbolicamente a minha conta corrente. Coloquei meu cartão nas salvas de oferta e, com fé, acreditei que isso abençoaria minhas finanças."
E funcionou? "[…] Em um ano, minha vida deu uma reviravolta. Conheci uma pessoa maravilhosa, nos casamos, tenho uma linda casa toda mobiliada, não pago aluguel e consegui emprego como inspetor de manutenção elétrica. Na época, era apenas obreiro. Hoje, sou diácono e sonho um dia ser um pastor usado como o pastor Marco Feliciano, para pregar a palavra de Deus…" Aleleuia!
A exemplo de sua ovelha, também o pastor é um ser abençoado. Ex-vendedor de picolé e ex-engraxate, Feliciano fundou em 2008 a igreja Assembléia de Deus do Templo do Avivamento. Abriu o santo negócio na cidade paulista de Orlândia, com 39 mil habitants. Hoje, controla outros 13 templos na região.
O repórter Sérgio Roxo foi até Orlândia. Em visita ao templo do Avivamento, deparou-se com um painel no qual anotaram-se 11 razões para o pagamento do dízimo. Lê-se numa das linhas: "Porque não quero que Deus me chame de ladrão". Na sala que serve de escritório para o pastor Feliciano, avista-se cofre de um metro de altura –evidência da fidelidade do rebanho e de que o Padre Eterno não é o único a preocupar-se com os ladrões.
O passado de privações deu lugar a uma vida faustosa. Feliciano mora numa mansão. Guarda na garagem uma coleção de carros importados. "Você tem que considerar que numa cidade pequena as coisas são muito mais baratas do que numa cidade grande", afirma o humano direito que passou a presidir a Comissão de Direitos Humanos.
Feliciano diz que amealhou patrimônio graças a palestras. Quanto cobra? "As igrejas, em geral, me fazem uma oferta, mas isso muda muito", ele desconversa. Ele jura que não belisca os dízimos. Dinheiro que recolhe de fronte alta. "Não me envergonho da oferta. O dízimo está na Bíblia. O PT também cobra dízimo dos seus filiados", compara.
Admirador do messias do petismo — "O Lula foi um dos maiores estadistas do século"—, o deputado-pastor, investigado no STF por estelionato e homophobia, defende-se atacando o PT. "Não tem nada contra mim. Não roubei. Não sou envolvido com mensalão. Sou um brasileiro e como tal um sobrevivente."
O deputado-pastor Marco Feliciano ainda não se deu conta, mas a vitrine da Comissão de Direitos Humanos tornou-o um personagem de alta visibilidade. Antes, tinha sobre si um telhado de vidro. Hoje, tem camisa de vidro, gravata de vidro, paletó de vidro…
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.