Barbosa ataca ‘conluio’ de juízes e advogados
Josias de Souza
20/03/2013 06h21
Sob a presidência do ministro Joaquim Barbosa, o Conselho Nacional de Justiça teve uma vibrante sessão nesta terça-feira (19). Acusado de favorecer advogados, o juiz João Borges de Souza Filho, da cidade de Picos, no Piauí, foi "condenado" à aposentadoria compulsória. O pijama é a punição máxima a que um magistrado está sujeito na instância administrativa.
Único conselheiro do CNJ a votar contra o afastamento do magistrado de Picos, o desembargador Tourinho Neto, do TRF da 1ª Região, travou com Joaquim Barbosa um ilustrativo duelo verbal. A coisa teve o impacto de um strep-tease. Quem assistiu exclamou por dentro: Ah, que Judiciário maravilhoso seria um Judiciário 100% feito de vidro! (veja um trecho do embate Barbosa X Tourinho aqui). Inconformado com a punição do magistrado piauiense, coube a Tourinho acender o pavio da polêmica:
— Ele é negligente. Mas desonesto ele não é! Para aplicar uma pena e colocar um sujeito, um juiz em disponibilidade é preciso que esse juiz seja desonesto, seja, como se diz vulgarmente, descarado. […] Ah, se fôssemos fazer isso, senhor presidente, quantos juízes nós teríamos que colocar pra fora? Quantos ministros nós teríamos que colocar para fora?
Barbosa, no melhor estilo zagueiro-de-time-de-várzea, foi à canela:
— Eu acho que há muitos.
— Heim?!?!?
— Eu acho que há muitos, sim, pra botar pra fora.
Entre surpreso e contrafeito, Tourinho desviou a perna das travas da chuteira:
— Não, presidente, não. A nossa Justiça não é assim não. Porque se a nossa Justiça fosse assim, nós estaríamos perdidos!
— Mas nós podemos mudar a nossa Justiça. Esse conluio entre juiz e advogado é o que há de mais pernicioso.
— Mas não houve conluio, presidente.
Barbosa deixou claro que falava de todo o Judiciário, não apenas do caso do Piauí:
— Não estou dizendo que neste caso tenha havido, não.
Famoso por seus habeas corpus, entre eles o que mandou soltar Carlinhos Cachoeira, Tourinho aceitou, por um instante, as premissas de Barbosa:
— Eu sei que tem.
— Nós sabemos, não é? Decisões graciosas, condescendentes, absolutamente fora das regras.
Sem mencionar-lhe o nome, Tourinho arrastou para dentro da conversa um colega de Barbosa no STF:
— Tem, presidente. Tem juiz que viaja pro exterior, pra festa de casamento, com tudo pago pelo advogado.
O desembargador se referia ao ministro Dias Toffoli que, em 2011, viajou à Itália para o casamento do advogado Roberto Podval, seu amigo. Barbosa levou na ironia:
— Conselheiro Tourinho, sua verve na despedida está impagável.
Barobsa fez menção à "despedida" porque esta foi a última reunião do CNJ de que tomou parte o conselheiro Tourinho. Ele fará aniversário de 70 anos no mês que vem e terá de se aposentar. Pena. A plateia será privada de seus sincericídios.
"Juiz não pode ter amizade nenhuma com advogado? Isso é uma excrescência", disse ele, a certa altura de sua derradeira sessão. "Fui juiz do interior da Bahia, tomava uísque na casa de um, tomava cerveja na casa de outro, e isso nunca me influenciou!" Barbosa classificou o procedimento de "errado". Tourinho disse que o presidente do STF é "duro como o diabo". E ironizou:
— Vossa excelência foi endeusado. Quem sabe não será o próximo presidente da República!
Associações de juízes reagiram à acusação de "conluio". Presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), o doutor Nino Oliveira Toldo, acha que a generalização termina por alcançar o próprio Barbosa: "A imprensa divulgou que o ministro tem uma namorada advogada. Como é que fica isso?" O advogado Marcus Vinicius Furtado, presidente da OAB, declarou que até "amantes" devem ser punidas em episódios que envolvam "relações promíscuas" entre juízes e advogados. Agora responda: esse debate é ou não é elucidativo?
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.