Jarbas: ‘Vivemos uma situação pior que ditadura’
Josias de Souza
16/05/2013 19h54
O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) recusou-se a participar da sessão em que foi aprovada no Senado a medida provisória dos portos. Ele foi ao plenário, expressou sua contrariedade e foi para casa. "Não me animei a ficar lá, feito um idiota, coonestando aquilo tudo", disse o senador em entrevista ao blog. "Achei melhor me aborrecer vendo pela televisão." Jarbas classifica o processo de votação de "farsa". Sustenta que o Legislativo vive hoje "uma situação pior do que a que atravessamos na época da ditadura." Abaixo, a conversa:
— Por que não permaneceu no plenário? Fui ao plenário para registrar minha contrariedade com o absurdo a que o Senado foi submetido. Renan disse que, a partir de agora, não recebe mais medida provisória a menos de sete dias de vencer o prazo de validade. Afirmou que essa MP dos Portos seria uma excepcionalidade. Admitiu que é uma aberração. Mas recebeu. Não tenho nenhuma razão para acreditar nele. Na semana passada, o Senado já havia votado uma medida provisória recebida na véspera, sem respeitar nem o prazo mínimo de 48 horas. Foi dito que aquilo era uma exceção, que não se repetiria. Antes, na votação do projeto de lei que inibe a criação de partidos políticos, foi feita uma votação simbólica. Eles perderam. Renan fingiu que não viu. Foi preciso pedir votação nominal para derrubar a sessão por falta de quórum. O STF depois suspendeu a tramitação da proposta. Como podemos dar crédito a esse tipo de gente?
— Não se animou a enfrentar o embate dos portos? Nunca fui de fugir de embates. Mas esse embate eu já sabia o resultado. Por isso, não vi razão para permanecer em plenário. Ao contrário do que fez o presidente da Câmara, Henrique Alves, que conduziu a votação com decência, o Renan já havia deixado claro na véspera que iria atropelar. Não me animei a ficar lá, feito um idiota, coonestando aquilo tudo. Vim para casa. Achei melhor me aborrecer vendo pela televisão.
— Do modo como fala tudo parece reduzir-se a um teatro, é isso? Sem dúvida nenhuma. É uma farsa. Uma farsa comandada por alguém que não tem credenciais para que ninguém acredite nas suas boas intenções. Além disso, o teatro dessa vez é de horrores.
— Que horrores? Eu assisti pela televisão a um debate de altíssimo nível entre duas figuras de reputação ilibada. Um responde a um processo no Supremo Tribunal, o outro está condenado, em primeira instância, por formação de quadrilha. Todos os dois acusam o governo de ter colocado penduricalhos dentro da chamada MP dos Portos.
— Refere-se aos líderes do PMDB, Eduardo Cunha, e do PR, Anthony Garotinho? Sim, todo mundo viu. Foi televisionado. Como é que eu poderia votar isso aqui, sem tomar conhecimento e sem poder emendar? Como é que o Senado da República vai votar uma medida provisória em que duas pessoas de alto nível, de reputação ilibada, lá da Câmara, dizem que esta MP não presta, que esta MP atende a pessoas, a grupos e a empresas? Não dá.
— Que avaliação faz da votação da MP dos Portos na Câmara? A Câmara, que tinha uma imagem muito ruim, cumpriu o seu papel. O Henrique Alves pode ter todos os defeitos, mas presidiu as sessões de maneira satisfatória. Deixou a oposição falar, permitiu que todos se manifestassem. Em momento nenhum o presidente da Câmara tentou estrangular a oposição. A oposição fez várias questões de ordem. Umas foram acatadas; outras rejeitadas. Tudo dentro de um processo democrático. O resultado final foi acolhido por todos os lados.
— E no Senado? A farsa começa pelos prazos. A medida provisória chega ao Senado no último dia, a poucas horas de perder a validade. Todo mundo já sabia qual seria o resultado. Renan chegou lá disposto a votar de qualquer jeito. Na véspera ele já tinha anunciado na televisão que trataria a medida como excepcional. Tudo em nome do interesse do país. Ora, que interesse do país é esse que nega aos senadores o direito de votar com consciência? Dilma é estatizante. Ela tem vergonha da palavra privatização. Quem pode acreditar que a presidente Dilma tem interesse em modernizar portos? Só os tolos. Oou aqueles que servem ao governo a todo custo.
— Haveria outras formas de tratar do assunto? Claro. O governo poderia enviar ao Congresso um projeto de lei. Se quisesse, poderia requerer o regime de urgência. A análise se daria rapidamente. Não é verdadeira essa conversa de que são contrários à modernização dos portos os parlamentares que se negam a participar dessa farsa. Vivemos hoje uma situação pior do que a que atravessamos na época da ditadura.
— Como assim? Na época da ditadura, fui deputado federal em dois mandatos. Nessa época, para subir à tribuna era preciso ter coragem cívica e também física. Pois a ditadura tinha determinados acanhamentos de fazer as coisas em determinadas ocasiões. Só havia dois partidos: Arena e MDB. Em determinados momentos, a Arena ficava meio encabulada de massacrar o MDB. Agora é diferente. Eles fazem o que querem. Anunciam claramente o que vão fazer. E fazem.
— Quem é responsável por esse quadro, o Executivo que liga o trator ou o Legislativo que aceita ser tratorado? A responsabilidade é dos dois. O Executivo porque faz tudo sem nenhum apreço às regras mais básicas do processo democrárico. E o Legislativo porque não se contrapões nem se impõe. Aceita passivamente as coisas. A Câmara, nessa semana, viveu momentos inusuais. No Senado, Renan faz o que quer.
— Renan se queixou do recurso que a oposição protocolou no STF para tentar suspender a sessão. O que achou? Não vejo o menor problema em recorrer ao Supremo. Mandei dizer para o Agripino Maia que, se precisassem de minha assinatura, eu estava à disposição. O Supremo é uma instância recursal. Então a gente é massacrado e tem que ficar calado? Na ditadura não adiantava recorrer ao Supremo. Agora, pelo menos nesse aspecto, é diferente.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.