Amigo de José Genoino ataca Gurgel no CNMP
Josias de Souza
26/05/2013 06h30
Representante da Câmara dos Deputados no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), o advogado Luiz Moreira Gomes Júnior declarou guerra ao procurador-geral da República Roberto Gurgel, que preside o conselho. Ligado ao PT e amigo do deputado petista José Genoino, Moreira constrangeu Gurgel numa reunião plenária do CNMP. Realizada há cinco dias, a sessão descambou para o bate-boca.
Em ofício datado de 16 de abril, o conselheiro Luiz Moreira havia solicitado informações sobre procedimentos administrativos da gestão de Gurgel. Entre outras coisas, pedira a relação de todos os servidores comissionados e os balanços de um programa de saúde e assistência social da Procuradoria da República. Pelo tom dos seus textos, Moreira buscava confirmar irregularidades.
Como as informações não lhe foram repassadas, Moreira rodou a baiana em public na última terça-feira (21). Numa sessão presidida por Gurgel, o conselheiro leu os ofícios que trocara com o secretário-geral do Ministério Público Federal, Lauro Pinto Cardoso Neto. Em sua última resposta, Lauro Cardoso, auxiliar de Gurgel, questionara a legalidade dos pedidos e aconselhara Moreira a submetê-los ao plenário do CNPM.
Dirigindo-se a Gurgel, Moreira declarou: sou conselheiro "por mandato a mim conferido pelo Congresso Nacional. Então, não adianta membro do Ministério Público se negar a cumprir determinação minha." Mais adiante, olhos fixos em Gurgel, o amigo de Genoino provocou o procurador-geral: "Estou dizendo claramente: parece que o Ministério Público Federal se nega a reconhecer a autoridade deste conselho." Gurgel subiu no caixote:
— É um juízo de V. Exa., absolutamente incorreto.
Luiz Moreira não se deu por achado:
— O que é que eu estou determinando, sr. presidente, mandei para V. Exa.: que me seja entregue o acesso aos documentos, determinando…
— O pedido de V. Exa. será examinado.
— Eu estou determinando, não estou me submetendo a V. Exa.
— Nem eu a V. Exa..
— Não estou submetido a V. Exa..
— Respeito ao procurador-geral da República, doutor Luiz Moreira. Respeito ao procurador-geral da República.
— O que tem que haver, senhor presidente…
— Respeito ao procurador-geral da República. Eu não vou tolerar esse tipo de provocação aqui.
— Eu não estou desrespeitando ninguém. Eu não me submeto a nenhum dos membros desse conselho.
Procurador Regional da República em São Paulo e também membro do CNMP, Mario Luiz Bonsaglia tomou as dores de Gurgel: "V. Exa. se submete à lei, ao devido processo legal", disse ele a Moreira. "V. Exa. não têm base procedimental para fazer essas requisições abusivas, arbitrárias…"
Luiz Moreira deu de ombros. "Eu requisitei as cópias, simple cópias… Que eu saiba, a lei nesta República vale para todo mundo. Então, antes eu pedia, agora estou determinando." Ao notar que Mario Bonsaglia torcia o nariz, Moreira atiçou: "O senhor tem algum problema com esse verbo 'determinar', conselheiro Mario Bonsaglia?". E o interlocutor: "Eu tenho problema com pessoas arbitrárias e abusivas."
A resposta de Moreira derrubaria as cortinas, expondo as razões mais profundas de sua ira. Lamentou que Mario Bonsaglia não tivesse reagido quando ele foi "vítima" do que chamou de "campanha anônima." Ironizou: "Nunca vi V. Exa. se posicionar contra tais arbitrariedaes"
Moreira referia-se a um dossiê enviado aos senadores na época em que seu nome foi submetido à aprovação dos congressistas. A peça retardou sua recondução à poltrona de conselheiro do CNMP por quase um ano. Presidente da Câmara na época, Marco Maia (PT-RS) chegou mesmo a se queixar por escrito junto a José Sarney (PMDB-AP), que presidia o Senado.
A oposição e os senadores "independentes" atribuíam a demora às dúvidas que assediavam a reputação de Luiz Moreira. Ex-procurador da República, Pedro Taques crivara-o de perguntas numa sabatina na Comissão de Justiça do Senado (assista aqui).
As acusações envolviam desde o suposto direcionamento na distribuição de processos no CNMP até a tentativa de obter na OAB do Ceará um registro para o exercício da advocacia sem o necessário teste de avaliação e com declaração de residência alegadamente falsa.
De resto, descobrira-se que Moreira cedera o carro oficial do CNMP para conduzir José Genoino ao Ministério da Defesa, onde ele ocupava o cargo de assessor especial, do qual se demitiu depois da dupla condenação no julgamento do mensalão.
Ao reassumir a presidência do Senado, em fevereiro de 2013, Renan Calheiros (PMDB-AL) cuidou de desengavetar a recondução de Luiz Moreira ao CNMP. Acossado por questionamentos dos colegas que se opunham à votação, Renan declarou-se impressionado com o lobby feito no Senado contra Moreira.
Irritado com Gurgel, que requisitara no STF a abertura de inquérito contra ele, Renan mencionou o nome de um assessor do procurador-geral como operador do lobby. No embate de cinco dias atrás, Moreira escorou-se em Renan para fustigar o procurador-geral:
— É de todos conhecido que fui vítima de uma campanha anônima, com dossiê anônimo, capitaneado pelo assessor parlamentar do senhor procurador-geral da República, conforme as palavras do presidente do Senado Federal.
— É juizo de V. Exa., Gurgel rebateu.
— Não, juízo não!
— Peço que conclua, temos uma pauta…
— …Se eu não tivesse sido interrompido, já teria concluído. Não é juizo de valor, não. Consta das palavas do presidente do Senado Federal, no dia da minha votação. Ele declina a participação do senhor José Arantes, assessor parlamentar do Ministério Público Federal. Esse assessor, ligado a V. Exa. fez campanha…
—O presidente do Senado se equivoca.
— Mas ele não foi sequer respondido.
O procurador Mario Bonsaglia pediu a palavra uma vez mais. Voltou a chamar Luiz Moreira de arbitrário. Disse que, se ele dispõe de informações sobre irregularidades na Procuradoria, deveria requerer a abertura de processo no CNMP. Os autos seriam distribuídos a um relator, a quem caberia requisitar informações, se julgasse necessário. Arrematou: "Essa atuação do conselheiro fora do devido procedimento legal preocupa muito e merece providências desse conselho.
Luiz Moreira voltou ao microfone: "O que preocupa muito, da parte do conselheiro Mario Bonsaglia, é a aplicação por parte dele de dois pesos e duas medidas aqui neste conselho. V. Exa., tão rígido quando se trata de Ministério Público dos Estados, e tão corporativo quando se trata do Ministério Público Federal. "Repudio o que V. Exa diz", retrucou Mario Bonsaglia. "Não aceito a sua ofensa." E Luiz Moreira: "Não me importa se o senhor aceita ou não…"
Quem observa de longe fica com a impressão de que, mantido esse padrão de linguajar, os conselheiros podem abandonar o tratamento cerimonioso de Vossa Excelência.
– Serviço: Aqui, o áudio do pedaço da sessão do CNMP em que ocorreu o destampatório. Tem 27min53s.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.