Aliados culpam Dilma por desarticulação política
Josias de Souza
03/06/2013 07h01
Nesta segunda-feira (3), a presidente da República deve reunir-se com seu vice Michel Temer e com os presidentes do Senado e da Câmara –Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves. Os caciques do PMDB pediram a Dilma que marcasse o encontro porque querem discutir a relação, como costumam fazer os casais em crise. O desejo do PMDB não é novo. Mas vinha sendo adiado.
Por quê? Há problemas que, embora existam de verdade, uma força obscura faz crer que, se não se falar neles, desaparecerão. A inapetência de Dilma para lidar com políticos, como a má vontade de cônjuges irascíveis, entra nessa categoria. Os envolvidos vinham se iludindo. Diziam para os seus botões: quem sabe, não tocando no assunto, um dia tudo se resolve. Até que…
Reunida na semana passada, a cúpula do PMDB concluiu que não dava mais para ignorar as evidências. Coube a Henrique Alves, o presidente da Câmara, resumir a cena. "Com uma base de mais de 420 deputados, o governo não consegue colocar no plenário nem 257 [quórum mínimo para abrir a sessão]. Não adianta dizer que está tudo bem e fingir que não viu. O problema existe e precisa ser enfrentado."
Ao perscrutar as razões que levam o Planalto a passar vexame no Congresso –41 horas para votar a medida provisória dos portos na Câmara, recusa do Senado em apreciar com prazo exíguo a MP das contas de luz…— a caciquia do PMDB se deu conta do óbvio: todos os problemas passam pelo gabinete de Dilma. A conversa ocorreu no Palácio do Jaburu, residência oficial de Michel Temer.
Sob o compromisso do anonimato, um dos presentes disse ao blog: "Ninguém quer se indispor com a presidente. Ao contrário. O objetivo de quem tem responsabilidade no PMDB é o de ajudar. Mas repare bem: se o problema fosse a falta de jeito da Ideli na coordenação política ou a arrogância da ministra Gleisi na Casa Civil, bastariam dois golpes de esferográfica da chefe para resolver tudo."
Concluiu-se na reunião do Jaburu que a antecipação do calendário eleitoral está na raiz da sublevação do condomínio governista. Relançada por Lula num evento partidário de fevereiro, Dilma passou a mover-se como candidata prematura à reeleição. Com isso, precipitaram-se as articulações nos Estados, que incluem governadores e congressistas tão preocupados em se reeleger quanto Dilma.
Nesta segunda, a presidente desembarcará no Rio Grande do Norte. Vai vistoriar e inaugurar obras. É o 24º Estado que Dilma visita neste ano pré-eleitoral de 2013. Os parlamentares aliados cobram isonomia. Também querem levar benfeitorias aos municípios que lhes rendem votos e contratos às firmas que lhes financiam as campanhas. Irritam-se com Dilma porque ela regula os cargos e prende as verbas.
A vontade de assustar Dilma não é uma exclusividade do PMDB. As 199 assinaturas que puseram em pé um pedido de CPI para investigar a Petrobras revelam que a falta de paciência se espraia por todo o condomínio governista. Inclui, por exemplo: PP, PDT, PTB, PR, PSC e até o neogovernista PSD.
O relacionamento de Dilma com seus supostos aliados é influenciado por pesquisas de opinião. As sondagens que chegam à mesa da presidente informam que a relação encrespada com os políticos lhe rende popularidade. Em matéria de fisiologismo, Dilma revelou-se uma presidente mais convencional do que a "faxineira" de 2011 fazia supor. Porém, ela sempre entrega menos do que seus apoiadores julgam merecer.
Cada parlamentar tem o direito de apresentar R$ 15 milhões em emendas. É comum deputados e senadores direcionarem suas dotações para ministérios tocados por correligionários. Na bancada do PMDB, muita gente enfiou suas emendas no orçamento do Ministério do Turismo, comandado pelo deputado licenciado Gastão Vieira (PMDB-MA). Pois Dilma autorizou o bloqueio de 74% do Orçamento do Turismo.
Chamado tecnicamente de "contingenciamento", o freio do Orçamento só não foi acionado em duas áreas: investimentos sociais e obras do PAC. O PMDB não tem PAC no grosso dos seus ministérios. As legendas brindadas com ministérios com PAC reclamam da ingerência da ministra Miriam Belchior (Planejamento), outra menina superpoderosa de Dilma.
Se o zelo do governo com a liberação de emendas fosse coisa séria, mereceria aplausos. Nove em cada dez escândalos que explodem no país têm uma ou mais emendas de parlamentares na sua origem. O problema é que, a exemplo dos antecessores, Dilma gerencia as pulsões orçamentárias do seu consórcio ao sabor das conveniências, não do interesse público.
Para arrancar a fórceps do Congresso a MP dos portos, o Planalto levou ao balcão R$ 1 bilhão em emendas. Coisa velha, rubricas pendentes do ano passado. Agora, em nova tentativa de jogar água fria na fervura do Congresso, Dilma manda dizer que vai liberar neste mês de junho R$ 3 milhões dos R$ 15 milhões a que cada parlamentar tem direito em 2013.
Diz-se no Planalto que, no total, serão liberados até dezembro algo entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões. Para acabar com a lógica do conta-gotas, os aliados devem atravessar no caminho de Dilma uma mudança constitucional que obriga o governo a executar as emendas individuais de deputados e senadores. É o chamado 'orçamento impositivo' das emendas.
De resto, a disposição dos pseudo-aliados de Dilma de aceitar ser embromados vem diminuindo na proporção direta da aproximação de 2014. O incômodo começa a transbordar do Congresso para as composições estaduais. Por exemplo: impedido de reocupar o segundo escalão da pasta dos Transportes, o PR negocia em São Paulo o apoio à reeleição do governador tucano Geraldo Alckmin.
No PMDB, já é certo que Dilma não vai dispor de 100% do apoio do partido do seu vice. Em pelo menos seis Estados a legenda de Temer mede forças com o PT na disputa pelos governos locais e busca alternativas a Dilma. Os morubixabas do PMDB tentam mostrar à presidente que, mal administrada, a crise no relacionamento com o partido pode, no limite, levar à separação na convenção a ser realizada no ano que vem.
O risco será maior se o estrago na economia for grande o bastante para despertar no eleitorado um sentimento de mudança que, por ora, não se materializou.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.