Reunião ministerial tem peso de autodenúncia
Josias de Souza
01/07/2013 08h23
Dilma Rousseff reúne o seu ministério. Pense só nisso. Esqueça o resto. Com o asfalto em transe, a presidenta-em-chefe convoca o seu Estado maior. Trinta e nove ministros. A fotografia correrá o noticiário como uma autodenúncia. É como se Dilma, depois de planejar cuidadosamente os seus erros, desejasse expor os vícios do sistema político brasileiro, viciando-se.
O ministério de Dilma já era inacreditável. Tornou-se inaceitável. Antes de a rua ferver, o primeiro escalão de Brasília era um escândalo. Virou um escárnio. Num Brasil em franca mutação, em que inimigos viram aliados em pleno voo, e a esperteza de ontem é a burrice de hoje, certos personagens parecem caricaturas de si mesmos. Por exemplo: Guilherme Afif Domingos.
Afif entrou na história mais ou menos tarde. Compunha o fundo contra o qual se cumpria o destino glorioso do PSD de Gilberto Kassab –uma legenda de desertores do DEM que trocava o seu tempo de propaganda na tevê pela perspectiva de retribuição mais generosa no segundo mandato. Afif, Kassab e Cia. imaginaram-se a bordo de uma Ferrari modelo 2014. Súbito, foram informados pelas ruas de que estão no banco de trás de um Fusca desgovernado.
Outro exemplo: Aloizio Mercadante. De ministro da Educação, converteu-se em ministro três-em-um. Com o aval da chefa, dedica-se à tarefa de invadir os minifúndios de Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil), desmoralizando-as. Num instante em que o meio-fio pede escolas "padrão-Fifa", o titular da Educação atua como animador de Constituintes natimortas e plebiscitos semivivos.
Visto assim, por partes —à maneira do estripador Jack—, o ministério de Dilma ganha a aparência de uma comédia de costumes. E uma chefa de governo que sabe o que é certo e opta por transformar sua administração numa piada merece, por didática, o respeito da nação. Noutros tempos, as crises eram provocadas por opositores. Hoje, Dilma é quem ajuda a fazer a crise. A aliança da presidenta com o arcaico conduz ao progresso. Errando, Dilma ajuda o país a se rever. A fotografia do ministério reunido apressa o processo.
– Ilustração via Miran Cartum.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.