Sob espionagem dos EUA, Brasil aplica apenas 14,7% do seu orçamento de ‘defesa cibernética’
Josias de Souza
05/09/2013 04h31
O Orçamento da União de 2013 reservou R$ 90 milhões para aplicar na implantação de um "sistema de defesa cibernética". Até o final de agosto, apenas R$ 13,2 milhões —14,7% do total— haviam sido "empenhados". A nota de empenho é emitida quando o dinheiro é reservado para determinado fornecedor. Considerando-se o pedaço do orçamento que foi efetivamente "liquidado", só saiu do cofre nos oito primeiros meses do ano R$ 1,08 milhão —ou 1,2% do total.
Os dados são oficiais. Foram extraídos do Siafi, o sistema que registra a execução do Orçamento da União, pela assessoria do deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara. "Esses números demostram a contradição entre os desafios que se impõem a um Estado que tem que se proteger e o descompromisso do governo em assegurar o desenvolvimento das tecnologias necessárias", lamentou o deputado.
A tarefa de dotar o Brasil de um sistema de defesa contra ataques cibernéticos foi confiada ao Exército. No último dia 10 de julho, nas pegadas da revelação de que as comunicações nacionais são grampeadas pela NSA, a agência de segurança dos EUA, o ministro Celso Amorim (Defesa) falou à Comissão de Relações Exteriores do Senado. "As vulnerabilidade existem e são muitas", ele admitiu. Nessa matéria, disse o ministro, o país se encontra na "infância".
Apertado pelos senadores, Amorim lecionou: "O que precisa ser feito é muito mais do que nós estamos fazendo ainda. Isso envolve recursos." De fato, considerando-se que o Brasil não dispõe nem de satélite próprio, os R$ 90 milhões alocados em 2013 na rúbrica de "defesa cibernética" parecem dinheiro de troco. O problema é que a pasta de Amorim não consegue gastar nem o pouco de que dispõe.
Em 14 de julho, quatro dias depois do depoimento de Amorim no Senado, o repórter Breno Costa revelou que o Exército havia empenhado apenas R$ 8 milhões (8,9%) do total da verba destinada ao cibercombate. Quase a metade dessa cifra foi aplicada na aquisição de jipes militares e cabines para abrigar estações de comunicação. O edital da licitação anotava que os equipamentos seriam usados em combate ou situações de tensão social.
O Exército informou que os jipes e as cabines vão virar unidades móveis de comunicação que, atuando "em rede", ajudarão a proteger as comunicações governamentais contra investidas de invasores. Quanto à vagareza na execução orçamentária, alegou-se que "o orçamento da área cibernética tem histórico de execução que registra uma concentração de empenho dos recursos no segundo semestre do ano."
Decorridos 48 dias, já se sabe que a espionagem americana alvejou diretamente Dilma Rousseff e seus axiliares diretos —entre eles, muito provavelmente, o doutor Celso Amorim. E os novos dados apalpados pelo blog informam que a execução do orçamento do sistema que supostamente protegerá as comunicações do Estado brasileiro continuam evoluindo em ritmo de tartaruga paraplégica. A quatro meses do final do ano, empenharam-se exíguos 14,7%. Ou 1,2%, se considerado apenas o que já saiu do cofre.
Com muitos recursos, os EUA espionam e continuarão espionando. E o Brasil, que nunca se defendeu tão mal tão bem, continuará ostentando a dupla condição de espionado e indignado. Enquanto espera pelas velhas explicações de Washington, o governo reza para que os papeis vazados pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden silenciem.
– Ilustração via Aroeira.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
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