Autor de projeto que libera biografias associa Roberto Carlos à censura
Josias de Souza
23/10/2013 07h16
Nesse texto, o deputado anota que o fim da exigência de autorização prévia é necessário para "afastar os resquícios legais da censura, ainda presentes no artigo 20 do Código Civil, e evitar, portanto, o cerceamento do direito de informação, tão caro aos brasileiros após anos de ditadura."
Ao enumerar os exemplos de censura, Newton Lima citou o cantor Roberto Carlos, que obteve na Justiça a proibição de obra sobre sua vida. Mencionou ainda o jogador Garrincha e o poeta Vinicius de Moraes, cujos familiares também conseguiram impedir a publicação de biografias.
O projeto não se limita a obras impressas. Libera igualmente a divulgação de imagens. O que levou o deputado a evocar outro exemplo de censura: "O filme 'Di Glauber', documentário de Glauber Rocha homenageando seu amigo, o pintor Di Cavalcanti, morto em 1976, foi proibido pela família do consagrado pintor." Mencionou ainda, sem descer a detalhes, a "censura" a filmes que continham imagens de Garrincha e de Pelé.
Newton Lima diz que seu projeto foi inspirado numa proposta análoga, que não chegou a ser apreciada. Por ironia, foi apresentada em 2008 por um ex-deputado e ex-ministro que, envolvido em escândalos múltiplos, é um potencial biografável: Antonio Palocci (PT-SP).
Evocando a legislação de países como Inglaterra e EUA, Newton Lima dintingue as "pessoas públicas" das demais. "O fato de as personalidades frequentarem constantemente a mídia diminui o seu direito de imagem e privacidade, tornando lícitas a publicação de biografias não autorizadas e a realização de obras audiovisuais sobre elas, sem a necessidade de prévio consentimento."
Por esse critério, a liberdade de informação prevaleceria sobre o direito à privacidade de personalidades como as que integram o grupo 'Procure Saber', contrário às biografias não autorizadas. Além de Roberto, compõem entidade: Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Djavan e Erasmo Carlos.
O projeto de Newton Lima sugere a inclusão de um parágrafo novo no artigo 20 do Código Civil. Nesse trecho, o código prevê que livros ou filmes que atentem contra "a honra, a boa fama ou a respeitabilidade" das pessoas retratadas, a mesnos que autorizadas, podem ter a divulgação proibida pela Justiça.
O parágrafo que o deputado deseja acrescentar anota o seguinte: "A mera ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade."
O deputado Ronaldo Caiado (GO), líder do DEM, apresentou na noite desta terça (22) uma emenda que sugere acomodar sob o artigo 20 do Código Civil mais um parágrafo. Eis a redação: "A pessoa que se sentir atingida em sua honra, boa fama ou respeitabilidade poderá requerer, mediante o procedimento previsto na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 [rito judicial abreviado], a exclusão de trecho que lhe for ofensivo em reprodução futura da obra, sem prejuízo da indenização e da ação penal pertinentes, sujeitas estas ao procedimento próprio."
Com esse trecho, Caiado pretende acelerar o julgamento de ações ajuizadas com o propósito de excluir de livros e documentários eventuais calúnias e difamações. A obra não sofreria censura prévia. Se a ofensa estiver contida num livro, por exemplo, a correção, quando determinada pela Justiça, seria feita nas edições subsequentes.
O rito abreviado não se aplicaria às ações judiciais destinadas a cobrar eventuais indenizações pecuniárias por perdas e danos. Nesses casos, os processos correriam no ritmo normal. Caiado repassou sua emenda ao colega Newton Lima, que prometeu inseri-la no texto original.
Se tudo correr como deseja o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), vai a voto logo mais um requerimento de tramitação do projeto em regime de urgência. A aprovação desse pedido é pré-condição para que a proposta das biografias possa furar a fila no plenário. Na sequência, se houver acordo dos líderes partidários quanto à redação final de Newton Lima, Henrique planeja votar o texto ainda nesta quarta-feira.
– Serviço: Aqui, a íntegra do projeto e da justificativa de Newton Lima. Nessa versão, o texto ainda não inclui o acréscimo sugerido por Ronaldo Caiado.
– Atualização feita às 14h53 desta quarta-feira (23/10): A Câmara recuou da decisão de votar nesta quarta o projeto que libera as biografias. Alega-se que a pauta de votações está sobrecarregada.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
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