Caso Alstom: pasta da Justiça desmente MPF
Josias de Souza
02/11/2013 04h46
A encrenca envolve o descaso no cumprimento de diligências requeridas pelo Ministério Público da Suíça. Em "nota de esclarecimento" divulgada na noite desta sexta-feira (1º), a pasta da Justiça eximiu-se de culpa. Anotou que, no âmbito do ministério, "não houve qualquer falha na tramitação dos pedidos de cooperação."
Acrescentou que as requisições das autoridades suíças foram encaminhadas à Procuradoria-Geral da República, em Brasília, "desde março de 2010", não em fevereiro de 2011 como se supunha. De resto, o texto do Ministério da Justiça traz um dado que deixa mal o procurador da República Rodrigo de Grandis, responsável pela condução das apurações do caso Alstom.
De acordo com a equipe de Cardozo, além de remeter os papéis suíços à sede brasiliense da Procuradoria, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica (DRCI), órgão do Ministério da Justiça, encaminhou diretamente ao procurador Rodrigo de Grandis meia dúzia de ofícios. "Foram seis reiterações dos pedidos iniciais, como forma de cobrar o andamento."
O procurador Grandis, até aqui dono de boa reputação, alegara na semana passada que as diligências requeridas pela Suíça deixaram de ser atendidas por causa de uma "falha administrativa". Nessa versão, o pedido de colaboração teria sido guardado por engano numa pasta de arquivo. A descoberta da existência de "seis reiterações dos pedidos iniciais" como que enfraquece a imagem dos documentos esquecidos numa pasta que alguém escolheu por descuido.
O Ministério da Justiça decidiu divulgar o seu "esclarecimento" em resposta a uma notícia que a equipe de Rodrigo Janot veiculara horas antes no site da Procuradoria. Nesse texto, informou-se que, após negociação conduzida pela Secretaria de Cooperação Jurídica Internacional Ministério Público Federal, "o pedido de colaboração, feito originalmente em 2011, foi renovado nesta semana" pelos procuradores suíços. E as diligências serão "realizadas nos próximos dias."
No mesmo texto, a Procuradoria prestou contas do resultato parcial de uma apuração que o procurador-geral Rodrigo Janot havia encomendado na última terça-feira (29). Ele queria saber por que as diligências requisitadas pela Suíça foram ignoradas.
Em "relatório preliminar" datado de 31 de outubro de 2013, a Secretaria de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal informou que "teria havido falha" na tramitação do pedido. Em vez de enviar a documentação suíça para a Procuradoria da República em Brasília, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional do Ministério da Justiça (DRCI) teria remetido a pepelada diretamente à Procuradoria em São Paulo.
Essa conclusão irritou a equipe do DRCI, órgão responsável por fazer a ponte com os países que mantêm acordos de cooperação com o Brasil, enviando e recebendo pedidos de auxílio em investigações.
No seu desmentido, a pasta da Justiça sustenta que os requerimentos de cooperação vindos da Suíça "foram encaminhados, desde março de 2010 [o grifo aparece no texto original], à então Assessoria de Cooperação Internacional da Procuradoria Geral da República (atual Secretaria de Cooperação Internacional)." Esse tipo de procedimento, por rotineiro, "ocorre com todo e qualquer pedido recebido de países estrangeiros pelo DRCI."
Foi nesse ponto que a "nota de esclarecimento" do Ministério da Justiça informou que os únicos documentos enviados diretamente para o procurador Rodrigo de Grandis, em São Paulo, "foram as seis reiterações dos pedidos iniciais."
Em meio ao bate-e-rebate as equipes de Janot e Cardozo desentenderam-se noutra questão. Na notícia divulgada pela equipe do procurador-geral, lê-se o seguinte: "A Procuradoria Geral da República vai editar, ainda em novembro, portaria regulamentando a tramitação interna de solicitações de cooperação internacional e da relação com o DRCI. Uma minuta de portaria já está em avaliação."
O texto do Ministério da Justiça contesta a atmosfera de desorganização insinuada nas entrelinhas da notícia da Procuradoria. Dá a entender que a regulamentação que se pretende editar "ainda em novembro" é desnecessária. Por quê? Ela já existe. Foi elaborada conjuntamente, em 2005, pelo Ministério da Justiça, pela própria Procuradoria Geral da República e pela Advocacia Geral da União. "Salienta-se que o Ministério da Justiça segue o trâmite, conforme portaria conjunta nº 1/MJ/PGR/AGU", escreve a assessoria de Cardozo.
A troca de chumbo entre a Procurdoria e o Ministério da Justiça adiciona mistério a um episódio que já estava impregnado de interrogações. As novas manifestações servirão de matéria prima para dois processos abertos contra o procurador Rodrigo de Grandis, para esclarecer os motivos que o levaram a ignorar o pedido de investigação vindo da Suíça. Um corre na corregedoria da Procuradoria da República. Outro é conduzido pela corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público.
Há dúvidas, de resto, quanto à eficácia das diligências que a Procuradoria anunciou que fará "nos próximos dias". A essa altura, os alvos do Ministério Público da Suíça estão em estado de alerta. No pedido original, as autoridades suíças requisitaram a inquirição de quatro suspeitos: os consultores Arthur Teixeira, Sérgio Teixeira e José Amaro Pinto Ramos, acusados de intermediar o pagamento de propinas da Alstom; e João Roberto Zaniboni, um ex-diretor de Operações da Compnahia Paulista de Trens Metropolitanos, que recebeu US$ 836 mil (R$ 1,84 milhão) numa conta bancária aberta na Suíça.
Além dos interrogatórios, os procuradores suíços pediram uma análise da movimentação financeira dos suspeitos e uma operação de busca na casa de João Roberto Zaniboni, personagem que atuou em todos os governos tucanos em São Paulo. Trabalhou sob Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin.
Cansados de esperar pela ajuda da Procuradoria brasileira, os procuradores suíços haviam decidido arquivar as investigações contra três suspeitos de distribuir propinas em nome da Alstom (veja os detalhes na ilustração abaixo). Resta saber agora se as diligências realizadas com atraso serão capazes de recolher as provas desejadas.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.