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Emenda impositiva é um cheque visado para a corrupção, reconhecem senadores

Josias de Souza

06/11/2013 01h19

"Vamos dar um cheque em branco para aqueles que enxergam no Orçamento da União apenas um caminho para fazer negócios e buscar recursos para bancar despesas com eleições ou simplesmente aumentar o patrimônio pessoal". Estamos no plenário do Senado. Ocupa a tribuna o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE).

Jarbas discursa na tarde de terça-feira (6), no período que antecede a votação da chamada 'PEC do Orçamento Impositivo', a proposta que obriga o governo a pagar as emendas individuais que os congressistas enfiam dentro do Orçamento da União. "Aprovar essa proposta de emenda à Constituição vai contribuir para piorar ainda mais a imagem do Congresso, que já está no fundo do poço", diz Jarbas.

A sessão propiciou à audiência da TV Senado uma espécie de strip-tease institucional. Parlamentares de diferentes partidos —governistas e oposicionistas— foram ao microfone para fazer um alerta: junto com as emendas impositivas virá um aumento da taxa de corrupção.

Ao defender seus pontos de vista, os opositores da proposta como que reconheceram, cada um a seu modo, que parte do dinheiro do orçamento federal sai pelo ladrão porque, no Legislativo, os ladrões entram no orçamento. Jarbas falou de "cheque em branco". Humberto Costa (PT-PE), seu adversário na política pernambucana, usou expressão parecida: "cheque visado".

"Estamos cansados de ver como o uso da emenda parlamentar tem sido fonte de escândalos os mais variados", realçou Humberto. "Anões do Orçamento, máfia dos sanguessugas e tantos outros casos que têm origem na relação que passa a se estabelecer entre empresa, prefeitura e parlamentar." Ecoando Jarbas, Humberto soou categórico: "Estamos cometendo um grande equívoco."

Já aprovada na Câmara, a PEC das emendas teve como relator no Senado o líder do governo Eduardo Braga (PMDB-AM). Ele alterou o texto original. Ajustou-o à vontade do Planalto. Cada um dos 513 deputados e 81 senadores poderá apresentar até R$ 13,8 milhões em emendas por ano, o equivalente a 1,2% da receita corrente líquida da União. Escrevendo com a caligrafia que Dilma Rousseff autorizou, o relator anotou que 50% desse valor terá de ser aplicado em saúde. "Dos males o menor", disse Humberto Costa, ex-ministro da Saúde de Lula.

Menos benevolente, o senador Pedro Taques (PDT-MT) foi severo com o relator. Para ele, foi por esperteza que Eduardo Braga enfiou a verba da saúde, uma demanda das ruas, no balaio das emendas. "A questão da aplicação em saúde passou a monopolizar o discurso governista, as falas dos parlamentares e a cobertura da imprensa", constatou Taques.

O barulho em torno da saúde, prosseguiu o senador, serviu para abafar outro ruído: "Foi para que ninguém notasse o fato de que, bem agachado, por trás do tema dos 15% para a saúde, passa uma boiada." Num "pedido de destaque", Taques sugeriu que a elevação das verbas da saúde fosse apartada do resto da proposta. Com isso, os senadores poderiam aprovar esse pedaço do texto e rejeitar todo o resto.

Ex-procurador da República, Taques conhece a encrenca das emendas por dentro. Participou da apuração de casos de corrupção que tiveram origem nessas emendas. Ele desmontou a tese segundo a qual as emendas impositivas levariam à alforria dos congressistas, que não teriam mais de se sujeitar às chantagens do Planalto.

"Essas mudanças não garantem absolutamente nada", disse Taques. Submetidas à redação construída a quatro mãos por Eduardo Baga e a equipe de Dilma, as emendas de deputados e senadores serão, no dizer de Taques, "pseudoimpositivas".  Como assim? "O texto faz tantas ressalvas, que permite ao Executivo bloquear qualquer programação que não lhe interesse executar, sob o pretexto de 'impedimento técnico'. Cabe tudo sob esse pretexto, até uma jamanta."

De resto, disse Taques, permanecem "intactas as possibilidades de barganhas e negociatas para comprar votos de congressistas em troca de benesses políticas". Embora seja um senador de primeiro mandato, Taques incluiu-se entre os que têm ciência plena das mumunhas que permeiam a relação do Executivo com o Legislativo. "Nós todos conhecemos", disse.

No "mercado persa da formação de coalisões", prosseguiu Taques, "a PEC que estamos votando só afeta a menor das barraquinhas". As outras tendas permanecem abertas. "Emendas individuais são só uma parte das emendas orçamentárias. O Executivo coloca na mesa para comprar sua maioria, todos sabemos. Joga também com a troca de cargos. Não só de ministros, mas de dirigentes e de chefes espalhados por toda a máquina governamental."

Nas pegadas de Taques, suprema ironia, escalou a tribuna o senador Jader Barbalho (PMDB-PA). Os dois são velhos conhecidos. Como procurador, Taques participou da apuração de 'barbalhidades' cometidas na Sudam durante o governo FHC. Mercê dessas apurações, Jader chegou a passar uma noite na cadeia. Pois a encrenca do orçamento impositivo aproximou-o de seu ex-algoz.

No dizer de Jader, "o Executivo chantageia o Parlamento. Quem vota com o Planalto tem toda a chance de ter liberadas suas emendas. Quem não vota com o governo tem imensas dificuldades". Como duvida da eficácia da da PEC que torna impositivas as emendas, Jader anunciou que votaria contra.

Vários senadores evocaram escândalos antigos para se opor à PEC. Líder do PSDB, Aloysio Nunes Ferreira (SP) demonstrou que não é preciso olhar pelo retrovisor para enxergar os riscos. "Temos fatos atuais à nossa disposição. Há dois deputados distritais, aqui no Distrito Federal. Um já foi cassado, o outro está sob ameaça de cassação por venda de emendas. Em São Paulo, está em curso uma investigação sobre a chamada 'máfia do asfalto'. Apura-se exatamente a comercialização de emendas parlamentares. Começou em São Paulo. Mas já se estende para o âmbito federal."

A despeito da pregação em contrário, a 'PEC do Orçamento Impositivo' foi aprovada em primeiro turno pelos senadores. Materializou-se no painel eletrônico uma maioria maiúscula. Dos 81 senadores, votaram 71. Contaram-se 62 votos a favor. Apenas 9 votaram contra. Não chegam a encher os dedos de duas mãos.

Aprovou-se, por ora, apenas o texto-base. Falta apreciar os destaques, como são chamados os pedidos de votação de trechos separadamente. Depois, como se trata de uma emenda constitucional, será necessário realizar nova votação, em segundo turno. Como foi modificado, o texto terá de retornar à Câmara. Os deputados podem mantê-lo como está ou, por meio de emendas supressivas, aproximá-lo da versão original.

O país terá de aguardar algum tempo para verificar qual será o impacto da novidade sobre o noticiário policial. Mas quem assistiu à sessão do Senado não tem razões para ser otimista. Potencializou-se no imaginário do telespectador a suspeita de que, longe do plenário, escondida nos porões do prédio de Oscar Niemeyer, deve mesmo haver uma usina de malandragens e perfídias.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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