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Com ídolos na cadeia, PT realiza 5º Congresso

Josias de Souza

02/12/2013 06h32

O PT realiza na próxima semana, nos dias 12, 13 e 14 de dezembro, o seu 5º Congresso. O encontro será marcado por um dilema. Entorpecido pelos dez anos de permanência no poder federal, o partido tentará renovar-se revivendo características que o distinguiam na sua origem, há 33 anos. Fará o movimento num instante em que um pedaço dessa origem está na cadeia.

Se pudesse lançar mão do seu estatuto, o PT talvez atingisse os objetivos mais rapidamente. Aplicando o artigo 231, se livraria dos presidiários José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares. Prevê que serão expulsos do partido os filiados que incorrerem em "inobservância grave da ética" ou "improbidade no exercício de mandato parlamentar ou executivo, bem como no de órgão partidário ou função administrativa".

Estabelece também o expurgo de correligionários sempre que houver "condenação por crime infamante ou por práticas administrativas ilícitas, com sentença transitada em julgado." Foi precisamente o que sucedeu no STF. Mas o PT prefere rasgar seu estatuto a abdicar do lero-lero segundo o qual seus criminosos cometeram apenas "erros" e foram condenados "sem provas" por um "tribunal de exceção".

Em 2005, quando o mensalão explodiu, Lula declarou-se "traído" e o PT expulsou Delúbio. Nessa época, não considerou necessário nem esperar por uma condenação judicial. Mas o ex-tesoureiro foi anistiado em 2012 e se refiliou à legenda. Com o aval de Lula, hoje um ex-traído.

Considerando-se o último Datafolha, o PT comporta-se como um Narciso às avessas. Ao render homenagens aos seus ídolos presos, a legenda cospe na própria imagem. Para 86% dos brasileiros, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, agiu bem ao mandar prender os mensaleiros no feriado de 15 de Novembro, dia da Proclamação da República. O percentual vai a 87% entre os simpatizantes do PT.

Convocado há um ano pelo Diretório Nacional do PT, o 5º Congresso deveria ocorrer em fevereiro de 2014. Foi antecipado pelo ronco do asfalto de junho. Relendo-se hoje o ato de convocação divulgado em dezembro de 2012, verifica-se que o texto tinha um quê de premonitório. O petismo parecia antever que, em algum momento, suas bandeiras vermelhas poderiam ser impedidas de sair às ruas.

"O PT perdeu densidade programática e capacidade de mobilização sobre setores que nos acompanharam nos primeiros anos de nossa existência", anotou o texto convocatório. "O debate interno está rarefeito. Sofremos um processo de burocratização e assistimos a um debilitamento de nossas instâncias coletivas de direção."

Há um mês e meio, em entrevista ao repórter Jesús Ruiz Mantilla, do diário espanhol El País, Lula pintou o mesmo quadro. Só que com tintas mais fortes: na origem, o PT "era um partido pequeno, que depois passou a ser grande e, como tal, foram aparecendo defeitos. Gente que dá muito valor ao Parlamento, outros aos cargos públicos. […] As pessoas tendem a esquecer os tempos difíceis, em que era bonito carregar pedras."

Vai a debate no Congresso petista um documento redigido por Marco Aurélio Garcia, o assessor Internacional da Presidência da República. A certa altura, lê-se no texto:

"Não é fácil para o partido realizar a complexa tarefa de apoiar seu governo e, ao mesmo tempo, empurrá-lo para além dos limites que lhes impõem a conjuntura e instituições, muitas vezes arcaicas. Embora crítico à conciliação que tem marcado a história do Brasil, o partido é ainda prisioneiro de um sistema eleitoral que favorece a corrupção e de uma atividade parlamentar que dificulta a mudança."

Lendo-se Marco Aurélio, fica-se com a impressão de que o PT, munido de autocritério, considera-se a modernidade que teve que fazer concessões ao arcaico para empurrar o país à frente. Cedeu à abjeção do dinheiro por baixo da mesa como refém de uma realidade que não favorece a probidade.

Noutro trecho, Marco Aurélio anotou: "Desde 2003, sobretudo, temos enfrentado dificuldades em mudar o sistema político brasileiro, verdadeira camisa de força que impede transformações mais profundas e impõe um 'presidencialismo de coalizão', que corrói o conteúdo programático da ação governamental."

Aqui, o redator disse, com outras palavras, que o PT não suporta Valdemares e outros azares. Mas foi obrigado pelo sistema a integrar-se à baixeza comum a todos os partidos. Até que alguém desamarre a camisa de força, não tem como fugir do hospício. Pode faltar nexo ao Congresso do PT. Mas será um encontro divertido.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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