Braço erguido prova que PT não aprendeu nada
Josias de Souza
04/02/2014 05h32
O PT tem um ex-presidente e um ex-tesoureiro, José Dirceu e Delúbio Soares, encarcerados no presídio da Papuda. Tem outro ex-presidente, José Genoino, em prisão domiciliar. E tem um ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha, prestes a ser recolhido ao xadrez. Todos condenados por corrupção pela mais alta Corte do país. Pelo estatuto do partido, deveriam ser expulsos. Em vez disso, recebem solidariedade, proteção e vaquinhas.
O partido se dividiu: os 90% que erguem o braço e cerram o punho —física ou metaforicamente— dão aos 10% que permanecem mudos e imóveis uma péssima reputação. Nesta segunda-feira, 3, em plena cerimônia de reabertura do Congresso, o vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), repetiu em plenário a coreografia dos detentos. Fez isso ao lado do visitante Joaquim Barbosa, presidente do STF. Uma, duas vezes. Vargas justificou-se vagamente:
"Muitos se cumprimentam com positivo, sinal de vitória. No PT, é tradicional cumprimentar com L do Lula. E a gente tem se cumprimentado assim [com o punho erguido]. Foi o símbolo de reação dos nossos companheiros que foram injustamente condenados. O ministro está na nossa Casa. Na verdade, ele é um visitante, tem nosso respeito. Mas estamos bastante à vontade para cumprimentar do jeito que a gente achar que deve."
O companheiro comete dois erros. Num, trata como sua a Casa do povo brasileiro. Noutro, ignora a opinião dos verdadeiros anfitriões. No final de 2013, o Datafolha informou que, para 86% dos brasileiros, Barbosa agiu bem ao mandar prender os mensaleiros em 15 de novembro, feriado da Proclamação da República. Estratificando-se o dado por preferência partidária, verificou-se que o apoio às prisões foi ligeiramente maior entre os simpatizantes do PT: 87%.
A desenvoltura de André Vargas indica que deve haver, escondida nos subterrâneos do PT, uma escola de desfaçatez com especialização em cinismo. Não é possível que tantos petistas já nasçam com tamanho conhecimento das mumunhas. Quando Lula diz que logo, logo vai explicar a "farsa" do mensalão, quando Rui Falcão, atual presidente do PT, declara que o Supremo julgou sob pressão da mídia golpista, eles não se tornam bons exemplos. Mas viram extraordinários avisos. Avisam que o PT não toma jeito. Quando Dirceu e Genoino se autoproclamam inocentes "presos políticos", fazem lembrar as virgens de Sodoma e Gomorra.
Ninguém tem o direito de se meter na vida do PT. Mas já que a banda muda do partido não parece disposta e ninguém mais se habilita, por que não procurar alguém alheio à legenda para restabelecer a ordem? Um nome emerge instantaneamente como o mais indicado: Luiz Inácio Lula da Silva. Aquele sindicalista do ABC, muito respeitado por todos, que se lançou na política, foi deputado federal por São Paulo, farejou a existência de 300 picaretas no Congresso e chegou a presidente da República.
Esse Lula remoto, defensor intransigente da ética, de quem nunca mais se ouviu falar, seria algo de novo no PT. Impossível imaginá-lo recorrendo à compra de apoio político com verbas do contribuinte, ao fisiologismo e a outras práticas pouco assépticas. Ele daria atenção prioritária a um pedido de desculpas do PT, antes que não adiantasse mais nada.
O único problema do PT seria descobrir o paradeiro desse Lula e convencê-lo a assumir as rédeas da agremiação. Como se sabe, o personagem desapareceu misteriosamente por volta de 2005, tendo sido substituído por um sósia. Ou o PT encontra o velho Lula ou vai passar à história como único partido do mundo em que os ratos botam a culpa no queijo. E ainda erguem o braço para similar uma revolução.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.