Semana foi pesadelo do qual Dilma tenta acordar
Josias de Souza
08/02/2014 06h36
A imagem da semana foi captada pelo cinegrafista Edson Cordeiro na noite de terça-feira, 4. Indiscreta, a lente de sua câmera atravessou a vidraça do Alvorada para flagrar, na intimidade do palácio, Dilma Rousseff num desses momentos em que, fora de si, ela é 100% Dilma Rousseff. A presidente andava de um lado para o outro. Com uma mão, segurava o telefone. Com a outra, dava socos no ar.
Não se sabe com quem Dilma conversava nem o que dizia. Mas a eloquência muda das imagens faz supor que seu interlocutor teve dificuldades para passar o ouvido a limpo. Pouco antes de a presidente entrar em erupção, autoridades do Ministério de Minas e Energia haviam concedido uma concorrida entrevista coletiva. Convocaram os repórteres para informar que o sistema elétrico brasileiro funciona muito bem.
A mensagem tranquilizadora veio nas pegadas de um apagão que deixara às escuras localidades de 13 Estados e do Distrito Federal. Foram desligados da tomada 4,9 milhões de lares e estabelecimentos comerciais. Pelas contas do Operador Nacional do Sistema foi o 13º corte de energia dos primeiros 35 dias de 2014. No mesmo período do ano passado, houve apenas três.
O breu que levou Dilma a ter um surto de Dilma era apenas o prenúncio de uma semana em que, sacudida pelas negociações da reforma ministerial, Brasília ganharia a aparência de uma batalha no escuro entre aliados mal ensaiados e uma comandante desajeitada. Em troca de alguns minutos de propaganda na tevê, Dilma levou ao balcão pedaços do Estado.
Acompanhada em tempo real pelo noticiário da internet, a movimentação do Planalto despertou nos próprios aliados do governo muita surpresa, espanto, choque, confusão e 'sim senhora, quem diria?!?'. Superexpostos, o PMDB da Câmara e o PTB levaram o pé atrás. Informaram que não indicarão ninguém para a Esplanada. Coisa inusitada. Foi como se os urubus fizessem cara de nojo para a carniça.
"O PMDB estava levando a fama de fisiológico sem ser", queixou-se o líder Eduardo Cunha (RJ). "O governo às vezes faz questão de colar essa fama no PMDB. Na realidade, quem tem um espaço guloso no governo é o PT, não o PMDB. Nessa reforma, o PT resolveu a vida dele rapidamente: Saúde, Educação, Casa Civil. Foi tudo resolvido e empossado! Com o PMDB, tudo é um grande estresse. Não tem sentido tratar um aliado desse jeito."
No intervalo de 72 horas, Dilma viu-se submetida a dois apagões: o elétrico e o político. Num, foi desafiada na área em que é tida como bambambã desde a época em que foi ministra de Minas e Energia de Lula. Noutro, sacrificou no altar das conveniências reeleitorais o pouco que lhe restava da pseudo-superioridade moral. Em ambos os episódios Dilma mostrou que também está sujeita à condição humana.
A conjuntura dificulta o trabalho dos marqueteiros. Já não é tão simples vender a tese segundo a qual a eficiência administrativa e a ética são atributos congênitos de Dilma, condições de vida, como as escamas no peixe. Se a semana ensinou alguma coisa foi o seguinte: todas as premissas sobre as quais a propaganda construiu a fama de Dilma precisam, no mínimo, pegar um pouco de ar.
Como se fosse pouco, a médica cubana Ramona Rodriguez aumentou a velocidade do ventilador ao desertar do Programa Mais Médicos para asilar-se no gabinete da liderança do proto-oposicionista DEM. Dos R$ 10 mil que o governo brasileiro paga pelos seus serviços, a doutora recebe algo como R$ 1 mil. O resto financia a ditadura de Cuba. Ramona veio do Pará até Brasília empurrada pelo sopro da revolta. O deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) providenciou o trombone.
Ao protocolar no Ministério da Justiça um pedido de refúgio político, Ramona como que emparedou o governo. Desatendo-a, o Conselho Nacional de Refugiados a transforma em vítima de Dilma e troféu da oposição. Atendendo-a, o Conare ensina o caminho da liberdade para os mais de 7 mil médicos cubanos em atividade no Brasil. O pedido está condenado a dormir numa gaveta pelo menos até a eleição.
A semana terminou com a manifestação de Rodrigo Janot, procurador-geral da República, sobre o mensalão tucano de Minas Gerais. Dilma e o PT poderiam enxergar no pedido de 22 anos de prisão para o deputado tucano Eduardo Azeredo (MG) um sinal de reversão do azar. O diabo é que Azeredo divide as manchetes com os neo-presidiários João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato.
Dilma anda mesmo sem sorte. Nos próximos dias, além de reabrir o balcão dos ministérios, definirá com a equipe econômica o valor do corte bilionário que terá de fazer no Orçamento da União. Talvez devesse considerar a hipótese de adotar duas providências. A primeira seria nomear um ministro tranca-ruas para cuidar das urucubacas do seu governo. A segunda seria mandar instalar uma cortina na vidraça do Alvorada.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.