GDF compra R$ 1,5 mi em comida para Agnelo
Josias de Souza
23/02/2014 22h22
Comparando-se com o custo do ano passado, o preço da comida da casa do governador subiu 20%. Ouvido pela repórter Roseann Kennedy, o GDF atribuiu a alta a dois fatores: a inflação e a Copa. Não a copa que fica ao lado da cozinha, mas a Copa do Mundo. Brasília é uma das cidades que receberão jogos da Copa. Alega-se que Agnelo recepcionará delegações estrangeiras em casa. E precisa dar de comer aos convidados.
Nos próximos dias, um estômago pobre de Brasília, desses que vivem na rua, enviará uma carta a Agnelo Queiroz. O blog teve acesso ao texto com exclusividade. Vai reproduzido abaixo:
Às vezes, governador, invejo o coração que, quando sofre, é de amor. Eu, pobre tripa flagelada, jamais tive tempo para sentimentos abstratos. Perdoe-me o pragmatismo estomacal. Mas só tenho apreço pelo concreto: o feijão, o arroz, a carne… Meu projeto de vida sempre foi arranjar comida.
Às vezes, veja o senhor, cobiço a cabeça. Quisera me fosse dado revisitar glórias passadas ou, melhor ainda, idealizar um futuro promissor. Quisera não tivesse que dançar ao ritmo da emergência. Meu mundo cabe no intervalo entre uma refeição e outra. Meu relógio, caprichoso, só tem tempo para certas horas: a hora do café, a hora do almoço, a hora do jantar…
Sem comida, meu relógio ficou louco. Passou a anunciar a chegada de cada novo segundo aos gritos. Nunca tive grandes ambições. Não quero conhecer a Paola Oliveira. Não quero ganhar a Sena acumulada. Só queria a compaixão de um grão escorregando faringe abaixo. Ardem-me as paredes, bombardeadas por jatos de suco gástrico. Mas já não sofro, governador.
Sem alimento, encontrei a paz na melancolia da fome. Encontro-me na ante-sala de outra esfera. Escrevo para dizer-lhe obrigado. Estou prestes a trocar o inferno das ruas pelo paraíso. E, temente a Deus, sei que Ele não se atreverá a pôr em meu céu o descaso. Não, não. Meu céu há de ser uma cozinha como a da residência de Águas Claras, tão farta que me propicie uma fome de governador, dessas que a gente resolve simplesmente abrindo a geladeira."
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.