Em 25 dias, Mais Médicos ganhou 3 remendos
Josias de Souza
28/02/2014 18h02
Empossado no cargo de ministro da Saúde há 25 dias, Arthur Chioro já promoveu três ajustes no Mais Médicos. Ele se refere às novidades como aprimoramentos gerenciais de "um programa inovador e criativo". Em verdade, são remendos de uma iniciativa eleitoral e mal planejada.
Há duas semanas, acossado pelos pepinos que lhe foram legados pelo antecessor Alexandre Padilha, Chioro anunciara a edição de dois conjuntos de regras. Num, fixaram-se as normas para a substituição de médicos que desistem do programa. Noutro, estabeleceram-se critérios para a exclusão de municípios que descumprem as contrapartidas assumidas com o governo federal.
Nesta sexta-feira, Chioro veio aos refletores para apresentar a terceira meia-sola de sua curtíssima gestão. Ele informou que o contracheque dos médicos cubanos subirá de US$ 400 para US$ 1.245. Para que isso ocorra, Cuba terá de entregar mensalmente aos profissionais que enviou ao Brasil os US$ 600 que vinha retendo em Havana, acrescidos de US$ 245.
Assegurado o reajuste, o médico cubano passará a receber algo como R$ 3 mil. Ou R$ 7 mil a menos do que é pago aos colegas brasileiros e aos estrangeiros de outras nacionalidades. Repetindo: beneficiados pelo "aprimoramento" que Brasília negociou com Havana, os profissionais cubanos terão a ventura de embolsar remuneração 70% inferior à dos outros médicos.
O reajuste chega depois que 27 médicos cubanos desistiram do programa, cinco deles com o deliberado propósito de fugir da ditadura dos irmãos Raúl e Fidel Castro. Chega nas pegadas da abertura de ações no Ministério Público do Trabalho e na Procuradoria da República em Goiás. Porém, contra todas as evidências, Chioro jura que o governo não está fazendo por pressão aquilo que deixou de fazer por precaução.
"Nós não somos mobilizados por uma pressão", afirmou o novo ministro da Saúde. "Não há da nossa parte pressão de cubanos" que abandonaram o programa. "Muito menos daquela profissional", acrescentou, esquivando-se de citar o nome de Ramona Rodriguez, a médica cubana que, ao desertar, levou o trombone aos lábios para denunciar as condições de trabalho que a fizeram se sentir como "uma mercadoria".
De acordo com Chioro, os cubanos devem o reajuste dos seus vencimentos a "uma determinação da presidenta Dilma". Nessa versão, as negociações com Cuba e com sua intermediária, a Organozação Panamericana de Saúde, já haviam sido deflagradas antes de Padilha trocar a Esplanada pelos palanques de São Paulo.
Uma repórter dirigiu a Chioro uma pergunta singela: Quando? Chioro respondeu que as negociações vinham sendo entabuladas "desde o início do projeto". Heimmm?!? Pelo menos "desde o final do ano passado". Hã?!? "Posso até me informar de reuniões anteriores que tenham sido realizadas". Como?!? "O que eu sei é que a determinação da presidenta Dilma já tinha acontecido."
Nas palavras de Chioro, um programa como o Mais Médicos, de dimensões jamais vistas no mundo, "vai exigir da gente um aperfeiçoamento constante". O ministro acha que houve "uma mudança no eixo central da crítica ao programa". Hoje, os críticos já não falam em falta de médicos. Já não qiestionam o preparo técnico dos cubanos. Virão outros questionamentos. "Que nós vamos debater tranquilamente, até porque o programa dura três anos e surgirão desafios que não foram pensados em julho do ano passado", quando foi lançado.
No esforço que realiza para justificar-se, Chioro expõe o miolo da encrenca: o programa tem duração de três anos, eis a mãe de todas as fragilidades do Mais Médicos. Supondo-se que as dificuldades sejam superadas; admitindo-se que 45 milhões de brasileiros desassistidos passem a dispor de mediciana de qualidade a partir de abril, imaginando-se que as debilidades do SUS desapareçam, aceitando-se a tese de que os postos de saúde do Brasil estão na bica de virar pedaços do paraíso… levando-se tudo isso em conta, chegaríamos à triste constatação de que o Éden do Mais Médicos tem um prazo de validade de três anos.
Os primeiros médicos foram enviados aos fundões do país e às periferias das grandes cidades em julho do ano passado. Quer dizer: em meados de 2016, esses profissionais começarão a fazer as malas. Os médicos brasileiros voltarão para o conforto das metrópoles. Os cubanos que não tiverem desertado retornarão a Havana. Os demais estrangeiros vão para seus respectivos países. E os brasileiros serão devolvidos à sua realidade de menos médicos.
Por sorte, 2016 é ano de eleições municipais. Se Dilma Rousseff ainda estiver no Planalto, poderá anunciar o Mais Médicos 2. O país não vai virar um Sírio-Libanês hipertrofiado. Mas o paraíso será prorrogado por mais três anos.
Sobre o autor
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.
Sobre o blog
A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.